quinta-feira, 19 de novembro de 2009

Quero voltar a ser índio

Quando tudo isso passar, vou voltar para a vida que tinha. Vou ter um filho com um bravo caçador que não deixará faltar alimento em casa. Vou voltar a mascar milho verde para fazer a aguardente que tomaremos todos reunidos à noite em torno da fogueira.

Quando tudo isso passar e me livrar das mesquinharias cotidianas e urbanas, vou me sentar debaixo da sombra de um jatobá, vou comer goiaba, sentir o perfume da flor da jabuticabeira, vou dançar na lua cheia refletida no espelho d'água. Lá Iara irá me acolher porque não julga, ela que é a grande mãe, me aceitará de volta com a alegria que não tenho visto.

Quando tudo isso passar e o inferno for uma lembrança nebulosa na minha memória, vou me reencontrar comigo e me perdoar. Vou saber que vivi pela fuligem na pele, pelo pó da estrada espalhado pelo corpo todo. Vou, por fim, entender o que aconteceu e que escolhas me levaram para esse caminho de ferro e duro, sem saída.

Quando tudo isso passar e a dor não for mais que uma cicatriz velha tatuada no peito e o sol amanhecer claro e transparente no horizonte, vou me despir, vou me pintar de vermelho, me adornar de penas coloridas, dormir ao relento, vou festejar com os meus a volta à vida como o nascimento de um filho desejado, amado.

Enquanto isso, vou sobrevivendo da água que purifica e do ar que renova, seguindo a vida interrompida a que voltarei amanhã, se eu pudesse só acordar amanhã...

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