Olho pela janela, para o meu entorno verde e monótono de
montanha, repleto da mesma coisa, árvores e vegetação, e me encanto como sempre
pelo diverso e diferente que o dia me mostra. Hoje as árvores de flores roxas
estão em evidência no meio dos verdes das copas. E não há macacos dando seu
sinal de passagem. Quietude. Perto de mim, apenas o zumbido de abelhas no
manjericão florido. O sol momentaneamente escondido atrás de nuvens, densas, de
passagem. Tudo passando com o dia.
Minha vida igualmente monótona de montanha, se preparando
para o outono, vista da janela para dentro, também pontua silêncios e roxos. Posso
escolher se passo ou fico, no entanto, e escolho passar. Passar como o vento
que balança as folhas secas até que elas caiam. Passar como o dia, no seu ciclo
de claro e escuro, de paz e zumbidos no ouvido. A vida zumbe como abelhas em
flores nos dias que sucedem chuvas intensas.
No silêncio tênue que se forma de eu estar olhando a vida
pela janela, entendo que nem tudo pode ser como meu desejo intenciona. Que nem
mesmo quando me visto inteira dessa intenção, despojando-me de carapaças,
armaduras, roupas, segunda pele, estando nua, nem assim alcanço algumas vezes o
meu desejo. Parece-me que o braço é curto demais, que me falta tamanho, que meu
trem não parou na estação, e fico me vendo chegar e partir sem alcançar.
Mas alcançar o quê? Um abraço, talvez. Um repasso. Nada que
signifique vitalidade, mas apenas o efêmero da vida. Aquilo que amanhece e se
desvanece porque segue em frente na fugacidade da emoção. O amor, enfim. Porque
não há nada mais tênue que o amor. E não há nada mais fugaz que amar. Porque quem
ama algo que amanhece, entardece e anoitece para tornar a amanhecer, não ama
uma única vez, mas várias. Ou então, fica sozinho no instante seguinte,
chorando pelo que já foi, pela aurora que é lua cheia agora.
Amar é deixar ir, é partir sem levar nada. Amar é sonhar
sem nunca concretizar ou realizar, pois tudo o mais é um estado de ser, e não
ser. E a própria vida é esse suceder de amares, hoje de flores roxas, amanhã amarelas.
Às vezes os pássaros cantam, outras grasnam. O deus que eu sou, verde no fim do
verão, tornando-se opaco no inverno, mas sendo ainda deus.
Fico melancólica nesses dias em que reconheço minha efemeridade.
Eu, que preciso do encantamento para dar o próximo passo, eu que busco – como a
mariposa – a luz incessante do sol, e descobrindo ser uma chama de vela, que se
apaga com o sopro do vento, o balançar da minha asa. Melancólica pelo meu desapontamento
em me ver no escuro, porque o escuro, como o mar alto, é um infinito de
possibilidades estonteante e perturbador.
Fico melancólica e pensativa, no hiato do amor, esquecida
de que tudo é ciclo, de que tudo vai e volta, insistentemente quando me recuso a
ver, mas que me traz oitavas a cima quando consigo perceber a diferença de cada
volta. Porque na sucessão dos dias e noites que já vivi, hoje estou mais calma
e tranquila – ainda que melancólica – do que jamais estive. Estou mais feliz e
reconfortada do que jamais vivi, apenas por me reconhecer sem espelho.
Minha dor de hoje é não ter flores roxas para exultar no
meio do verde indistinto de que me visto, invisível, despercebida. Não, eu não
precisava ser a árvore mais alta entre tantas araucárias, nem a mais flexível
nem a mais exuberante. Eu não precisava aninhar famílias de pássaros nem os alimentar
com insetos ou frutos. Não precisava sequer fazer uma sombra para amenizar o
calor de quem se aproxima. Eu podia ser somente aquela que você esculpe
iniciais ligadas por um coração, como quem eterniza uma emoção. Como quem
acredita que emoções perdurem, resistam, persistam. Para além da marca deixada
na casca dura.