segunda-feira, 28 de dezembro de 2020

Era de Aquário

 

Muito já se disse sobre a Era de Aquário. Um momento de renovação, mudança de enfoque do pessoal para o coletivo, responsabilidade ecológica, social e espiritual, igualdade, fraternidade e liberdade. O que não se disse ainda é que ela vai colocar em xeque todas as formas religiosas e moralizadoras porque exatamente fala de autorresponsabilidade, autoconsciência e liberdade. Vai questionar a necessidade de haver gurus, mestres, guias espirituais, pastores ou quaisquer tipos de sacerdotes, e toda classe de semideuses para que cada um de nós atinjamos nossa iluminação. Mas, acima de tudo, ela vem dizer que qualquer um, mesmo o mais reles dos humanos, mesmo o mais desgarrado do rebanho, aquele que fez ouvidos moucos aos ensinamentos sagrados, mesmo esse pode atingir a iluminação.

A Era de Aquário já começou há muito tempo. Nenhuma forma de mudança chega repentinamente, como um meteoro, para acabar com uma cultura inteira de patriarcado, de moralização, de escravidão de homens pelos homens, de exploração, e de concentração de riqueza. Nada profundo pode começar de repente e se instalar de repente num nível social. Mudanças, mesmo as revolucionárias, foram engendradas internamente, foram se formando como uma semente germina – você tem ideia da quantidade de energia necessária para uma semente germinar? – mudanças irrompem a superfície visível depois de tomarem forma num plano mais amplo.

Já não temos escravidão formal – ainda mantemos algumas formas lícitas, tais como os sistemas de castas, hierarquias sociais e de gênero, cobrança de impostos, propriedade privada, a servidão doméstica – mas não mais a escravidão opulenta e escrachada. Foi um início.

A história sempre foi contada pelos vitoriosos, opressores, invasores, colonizadores, homens. A Era de Aquário é a subversão desses valores a partir de quem não teve voz ou teve sua boca calada, suas mãos controladas e seus pés atados, não porque clamem justiça ou se mostrem como vítimas do sistema, mas porque se tornam protagonistas quando os deuses não são mais necessários, quando os mestres não mostrem mais seu caminho, quando reivindiquem para si a maestria sobre suas próprias vidas.

Muitas pessoas ainda estão clamando pelas maravilhas da Era de Aquário. Até que ela comece a questionar seus direitos herdados até aqui.

segunda-feira, 14 de dezembro de 2020

A Felicidade não é uma Ilha

 A praia me parece infinita. Para todo lado água, para todo lado areia. Andando, vou marcando o caminho com minhas pegadas, pés descalços, destemidos. Vou caminhando olhando para o horizonte sem fim. Tanta liberdade e tantas possibilidades, que até parece que caminho para lugar nenhum.

Recolho algumas conchas, galhos retorcidos, algas coloridas. Um caranguejinho corre para a água. Acompanho com a cabeça. Parece que de repente, no horizonte, surge uma ilha. Olho com atenção, parada, e uma onda inesperada me atinge em cheio.

Algumas conchas se vão com a onda que já retorna para o mar, e me molho um bocado, refrescante. Alguém passa correndo, espirrando o resto da onda que não me atingiu, e o vento espalha toda água levantada. Quem passou? Eu conheço? Eu não vi. Estava entretida demais olhando o horizonte tentando desvendar o mistério longínquo, e só me dei conta da água respingando, do vento cobrindo meus olhos com os cabelos.

Olho de novo, não está mais lá. Se foi. Uma ilha não se vai. Terei visto realmente? Era um barco? Estará encoberta pela maresia? Sem resposta, firmo o olhar. Onde? Ali onde gaivotas revoam. Ali onde uma nuvem toca o mar. Não sei mais. Perdi.

Volto a caminhar pela areia. Vou distraindo novamente, chutando areia com os dedos dos pés. Então, está lá outra vez, a ilha. Sigo com o corpo a direção que os olhos apontam. Sigo com o corpo entrando na água, agora sem me importar com as ondas que insistem em vir aos montes, aos transbordões. Já deixei as conchas caírem, já abandonei os galhos, levados pelas ondas, já estou nadando de braçada sem perder de vista a ilha. Ela aumenta aos poucos, parecendo mais próxima.

Não olho para trás, mas já passei a arrebentação e estou seguindo num correnteza que parece querer me ajudar no percurso. A ilha cada vez mais próxima, maior, mais atraente.

Então, como se fosse uma armadilha, ela me fisga, as ondas carregam meu corpo para sua praia, arremessada na areia. Recupero o fôlego, os músculos trêmulos do esforço, recompensados com a chegada. Tudo em volta é areia e mar. Para além da praia, uma mata que começa baixa e sobe em árvores, rochas, me impedindo de ver o outro lado.

Onde cheguei? Para a vida que almejei? Para o sonho que me impulsionou até agora? Para a felicidade? Não sei dizer. Tudo parece igual. Tudo parece o mesmo. Olhando atenta, parece que voltei para a praia de onde saí. Se procurar com atenção, acho as conchas que joguei na areia antes de me atirar ao mar.

Os braços e pernas ainda tremem pelo esforço. O cansaço é visível no peito. A alegria que me encontrou de eu ter atingido a ilha, agora parece um sorriso bobo na boca. Onde estou? Não cheguei? Foi em vão?

Olho de volta para o lugar de onde vim. Olho e é uma ilha no horizonte.