segunda-feira, 5 de julho de 2010

Fazia tempo que não tinha tempo para mim

Fazia tempo que não tinha um tempo pra mim. Sem nada para fazer, senão olhar as abelhas sobrevoando as flores das cerejeiras, senão observar os movimentos do gato no parapeito da janela, plácido. Senão ver o bordado verde que as araucárias desenham no céu azul de inverno. Que bom é o inverno de sol aberto, pássaros cantando, vaquinhas pastando. O silêncio de haver vida inteligente na face da terra. Sim, porque não é inteligente o ronco de motores de carros, a paisagem passando intocada pelo pára-brisa. Aliás, não há inteligência em parar brisas. Que bom o vento frio chegando manso, quase imperceptível.

Fazia tempo que não trazia na roupa o pó da estrada seca de terra batida. Agora, novamente, os cogumelos selvagens podem ser caçados quase sem nenhum predador. Quase, porque descobri que formigas gostam bastante dessa iguaria. Serão gourmets? Não entendo de formigas, entre outras coisas, e entendo muito pouco de cogumelos selvagens. O suficiente apenas para ser viciada em caçá-los e prepará-los.

Acho que não cairão mais pinhões a essa altura do inverno. Mas o zunido das abelhas nas flores me dá o sentido da vida que minha vida precisa agora. Um pouco de paz na zoadeira, quebrando folhas secas caídas das árvores com o pisar por mais leve que tente. Outro som que me faz lembrar que estou em casa é a revoada dos colibris disputando espaço com abelhas entre o cor-de-rosa geral. Antes crepitava também uma fogueira que agora só está fumegando um pouco.

Aqui, sem telefones que me façam contato, só com a eletricidade do pensamento, vou recuperando a calma e a mansidão que um dia vim buscar. Meu tempo de volta para mim num sopro. Eu queria saber identificar o canto dos pássaros, só para ficar sabendo, para nada. Já reconheço os bentevis. Também reconheço a batida seca dos pica-paus à procura de alimento. Tem o canto da seriema, sempre acompanhada, parecendo um ferro batendo na bigorna. E o piado dos gaviões. Quanto vale não fazer nada, não ganhar nada, apenas ser a liberdade leve de uma pena que voa.

Por que será que sempre penso que apenas vou conseguir tranqüilidade na vida bucólica do campo? Olhando bezerros pastarem, no entanto, não me iludo que estão apenas engordando. Tucanos lindos comem ovos de pássaros menores. Formigas devoram uma árvore inteira. Talvez seja apenas o silêncio. Ou o espaço amplo e vazio de gentes. Ou a beleza inútil de tudo, a beleza efêmera. O descaso com que uma flor brota, que uma fruta nasce em meio ao mato, e a noite cai sem aviso.

Colocar fogo num fogão a lenha não é tarefa fácil como parece. Encho minha casa de fumaça ainda antes de conseguir meu intento. Os gatos tentam fugir pela janela... depois, no entanto, eles me agradecem o calor que acendo. Tudo volta à calma de antes, embora mais quente agora. O relógio parado da cozinha me avisa uma hora antiga em que meu mundo girava ao contrário. Aproveito para limpar os armários e queimar todas as lembranças que me fizeram mal outrora. Tento retomar o ritmo bom da vida que sonhei.

Sonhar é fácil, difícil é acordar. Mas fiz uma pequena bagunça na cozinha o suficiente para saber que a casa tem gente. Tem vida. E a vida precisa de cuidado.