As
rochas, por mais duras que sejam, degradam no tempo, ao sol e vento, e até
mesmo os himalaias um dia se tornarão areia ou pó, sem deixar sombra. As
árvores um dia definham, perdem as folhas e os galhos secos caem como se fossem
borboletas que ficaram muito tempo pousadas e que levantam voo inesperadamente
sem peso. A vida para de correr como se fosse seiva, doce e desejada, perde o
ritmo, perde o passo. Um dia.
Enquanto
isso, os himalaias continuarão sendo imponentes e gigantes, a floresta
continuará sendo alento, abrigo, um desenho repleto de verdes espalhado no
horizonte. Enquanto isso, a árvore continuará alimentando frutos, que
alimentarão pássaros, que riscarão os céus em bandos ou solitariamente, e o
silêncio será repleto de gorjeios, cantares, e outros chamados.
Enquanto
não chega o momento de virar pó, tudo, ignorando seu fim, continua sem pressa e
sem dor. E eu, nessa teia intrincada de fios, fazendo malabarismos para chegar
na outra ponta – para quê? – vou observando a vida, que vai morrer, sobrevoar
as flores do manjericão em zunido de motor em forma de insetos. Vou cortando as
flores mortas e secas de seus galhos pendentes para que caiam e floresçam em
outras terras e para que eu tenha a sensação de que fui responsável pelo seu
semeio, pela sua disseminação e permanência. A vida gosta de pensar que cria
vida para perpetuar-se. Eu, que tendo escolhido não ter filhos, plantei muitas
árvores no caminho. Quantas terão vingado? Quantas estarão hoje dando frutos ou
sombra, ignaras da minha mão de um dia?
Talvez
a vida valha mais pelas pegadas que se apagaram do que pelos monumentos
erigidos a deuses ou reis ou outros tipos de poder imaginado. Se o rastro da
vida é exatamente sua impermanência e sua passagem, talvez eu ainda valha mais
pelas músicas que dancei e cantei, e que o vento levou para longe até perder-se
indistinta dos murmúrios de regatos, do balançar das folhas das ervas e matos.
Minha alma foi junto, como o sino de uma igreja repicando o momento solene e
transcendental que faz vibrar o peito de todos que atinge. Minha alma é a corda
da viola que ressoa a um simples toque, leve e rápido, ora mais curta e grave,
ora mais longa e aguda. Talvez para nada. Nem para ser belo, mas que pode
causar arrepios sem querer.
Nesses
dias de inverno, em que o sol é claro e o céu é simples azul, parece que o
tempo me sobra para contemplar. Então, para brindar a efemeridade da vida,
coloco a nona sinfonia, esse fluxo de energia que se chama alegria, para ser o
fundo musical. E se tudo que é vivo, morre um dia, nesse que é um filme com
final contado, não importa tanto onde chegar, mas como caminhar, o que fazer
enquanto vejo passar a paisagem e os dias e o tempo. Importa saber quem caminha
ao lado, o que faz e o que quer. Porque nada ficará senão o eterno de cada um.
Meu
eterno é uma mescla de afeto e decisão. Nem sempre bem dosados, nem sempre com o
equilíbrio necessário. Mas o que posso fazer? Sou aquele tipo de pessoa que se
apaixona como quem suicida, num mergulho para o abismo, o desconhecido, o absurdo.
Quem tem medo do desconhecido não se apaixona, porque é inerente à paixão viver
uma aventura. Nada dessa coisa bem-comportada e calculada, cheia de tapetes e
toalhas de mesa, quadros combinando na cor, nenhum torto na parede, tudo harmônico.
Minha
vida real é assim com um pouco de pó e marca de copo; como um copo de cachaça,
branca, para não deixar dúvidas. Eu sempre tive medo da plenitude, da
moderação, da timidez. Eu, que sou mais parecida com o herói ou o vilão, mas
nunca com a vítima. Eu, que morro de tédio no conforto de um lar sem desafios. Dentro
da minha vida calma deixo os vulcões explodirem seu magma desajeitado e rude
refazendo minha crosta em castigado vir a ser. O que sou hoje é apenas uma
passagem do ser: o fígado de prometeu, as cinzas da fênix.
De
mim sobrarão algumas palavras levadas pelo vento, até que se percam. Na minha
pele marcada pelos toques e arrepios, não ficará a tatuagem do seu olhar. Não deixarei
um adágio emocionado e sensível para ninguém experimentar o meu sentir. Essa é
a sina dos apaixonados: seus rastros, leves e ligeiros não permanecem sob o pó.
De dia, como elfos, vimos perturbar o sossego do lago e, à noite, no silêncio
escuro da noite, pé ante pé, o coração batendo na boca, mal querendo controlar
a respiração ofegante, sussurramos para quase ninguém ouvir: eu te amo.