sexta-feira, 29 de junho de 2018

As Rochas


As rochas, por mais duras que sejam, degradam no tempo, ao sol e vento, e até mesmo os himalaias um dia se tornarão areia ou pó, sem deixar sombra. As árvores um dia definham, perdem as folhas e os galhos secos caem como se fossem borboletas que ficaram muito tempo pousadas e que levantam voo inesperadamente sem peso. A vida para de correr como se fosse seiva, doce e desejada, perde o ritmo, perde o passo. Um dia.

Enquanto isso, os himalaias continuarão sendo imponentes e gigantes, a floresta continuará sendo alento, abrigo, um desenho repleto de verdes espalhado no horizonte. Enquanto isso, a árvore continuará alimentando frutos, que alimentarão pássaros, que riscarão os céus em bandos ou solitariamente, e o silêncio será repleto de gorjeios, cantares, e outros chamados.

Enquanto não chega o momento de virar pó, tudo, ignorando seu fim, continua sem pressa e sem dor. E eu, nessa teia intrincada de fios, fazendo malabarismos para chegar na outra ponta – para quê? – vou observando a vida, que vai morrer, sobrevoar as flores do manjericão em zunido de motor em forma de insetos. Vou cortando as flores mortas e secas de seus galhos pendentes para que caiam e floresçam em outras terras e para que eu tenha a sensação de que fui responsável pelo seu semeio, pela sua disseminação e permanência. A vida gosta de pensar que cria vida para perpetuar-se. Eu, que tendo escolhido não ter filhos, plantei muitas árvores no caminho. Quantas terão vingado? Quantas estarão hoje dando frutos ou sombra, ignaras da minha mão de um dia?

Talvez a vida valha mais pelas pegadas que se apagaram do que pelos monumentos erigidos a deuses ou reis ou outros tipos de poder imaginado. Se o rastro da vida é exatamente sua impermanência e sua passagem, talvez eu ainda valha mais pelas músicas que dancei e cantei, e que o vento levou para longe até perder-se indistinta dos murmúrios de regatos, do balançar das folhas das ervas e matos. Minha alma foi junto, como o sino de uma igreja repicando o momento solene e transcendental que faz vibrar o peito de todos que atinge. Minha alma é a corda da viola que ressoa a um simples toque, leve e rápido, ora mais curta e grave, ora mais longa e aguda. Talvez para nada. Nem para ser belo, mas que pode causar arrepios sem querer.

Nesses dias de inverno, em que o sol é claro e o céu é simples azul, parece que o tempo me sobra para contemplar. Então, para brindar a efemeridade da vida, coloco a nona sinfonia, esse fluxo de energia que se chama alegria, para ser o fundo musical. E se tudo que é vivo, morre um dia, nesse que é um filme com final contado, não importa tanto onde chegar, mas como caminhar, o que fazer enquanto vejo passar a paisagem e os dias e o tempo. Importa saber quem caminha ao lado, o que faz e o que quer. Porque nada ficará senão o eterno de cada um.

Meu eterno é uma mescla de afeto e decisão. Nem sempre bem dosados, nem sempre com o equilíbrio necessário. Mas o que posso fazer? Sou aquele tipo de pessoa que se apaixona como quem suicida, num mergulho para o abismo, o desconhecido, o absurdo. Quem tem medo do desconhecido não se apaixona, porque é inerente à paixão viver uma aventura. Nada dessa coisa bem-comportada e calculada, cheia de tapetes e toalhas de mesa, quadros combinando na cor, nenhum torto na parede, tudo harmônico.

Minha vida real é assim com um pouco de pó e marca de copo; como um copo de cachaça, branca, para não deixar dúvidas. Eu sempre tive medo da plenitude, da moderação, da timidez. Eu, que sou mais parecida com o herói ou o vilão, mas nunca com a vítima. Eu, que morro de tédio no conforto de um lar sem desafios. Dentro da minha vida calma deixo os vulcões explodirem seu magma desajeitado e rude refazendo minha crosta em castigado vir a ser. O que sou hoje é apenas uma passagem do ser: o fígado de prometeu, as cinzas da fênix.

De mim sobrarão algumas palavras levadas pelo vento, até que se percam. Na minha pele marcada pelos toques e arrepios, não ficará a tatuagem do seu olhar. Não deixarei um adágio emocionado e sensível para ninguém experimentar o meu sentir. Essa é a sina dos apaixonados: seus rastros, leves e ligeiros não permanecem sob o pó. De dia, como elfos, vimos perturbar o sossego do lago e, à noite, no silêncio escuro da noite, pé ante pé, o coração batendo na boca, mal querendo controlar a respiração ofegante, sussurramos para quase ninguém ouvir: eu te amo.