Que me desculpe o sebrae e todos os consultores de negócios, mas se eu tivesse planejado minha vida toda, em vida, não teria feito o que fiz, chegado aonde cheguei. Tanta coisa no inconsciente me ajudou muito. Tanta coisa que nunca pensei, tanta coisa, meu deus. Encontros não planejados, despedidas antecipadas, rompimentos doloridos à época, estratégicos depois. Estarei apenas seguindo um roteiro esquecido da lembrança? Ou estarei escrevendo uma história nova a cada dia?
Mal planejo o dia. Forço-me a isso, mas faço pouco. Onde está o telefone que eu tinha que conseguir por compromisso? Planejei procurar com um amigo, não o encontrei nem liguei. Fiquei imersa em um dia de trabalho absorvente. Escolhas, bem sei. Absorta num trabalho posso ficar sem comer, sem dormir, sem sentir falta. E então, apenas um sino, um alerta, um sinal marcado pode me tirar dessa concentração. Ainda assim, sou pouco persistente.
Se apenas planejo e fico projetando, é como se estivesse brincando de fazer teatro. Divirto-me escrevendo as falas, as cenas, as reações, mas nada de levar ao palco. Aí, de repente, sem plano ou meta, de repente mesmo, sem que me dê conta, fiz as malas, fui embora, peguei o trem, parti para a cena 10 do segundo ato, sem pausa, aplausos irrompendo à minha frente, mau-humor me tirando do centro, outras vezes, apenas um silêncio de não-entendi, e lá fui eu para dentro de outra peça, outro roteiro, um filme talvez.
Não, como será a vida de cada um de nós? Uma locomotiva seguindo por trilhos invisíveis? Parando em estações apinhadas de expectativas, de portas abertas e fechadas, com placas ou sem, em horários não combinados? Está parada ainda? Esperando alguém que não veio? Esperando a troca do maquinista, amanhecer o dia, ou o comboio que atrasou? Quanta incerteza; não sei se estaria aqui, sozinha uma hora dessas, se tivesse que planejar. Decidir é uma arte.
A água corre para o mar porque é o lugar mais baixo. O vento sopra para o calor, porque não tem resistência. A fruta cai da árvore por causa da gravidade. Parece sempre ter uma lei que movimenta as coisas inertes. E qual é a lei que rege a vida? Ela segue para onde? Desce a ladeira, corre para o mar, acorda com os pássaros, dorme com a lua. E eu nela, sou passageira, efêmero sonho de uma borboleta.
Ah, os caminhos que não segui, terei escolhido realmente? Ou terei chegado aqui por minhas pernas, que sei, porque elas têm mais inteligência que minha mente, e viram o que meus olhos não viram, ou não viram nada, por isso seguiram em frente. Talvez viver seja mais simples que isso, como o regato que desce cristalino sem saber para onde. Porque não importa para onde, é o caminho que importa.