Pipoca. Com manteiga e pimenta. O salão cheio. Só um lugar
lá em cima, no meio. Com licença. Com licença. Obrigada. Esse filme conta a
história de uma coreógrafa, tem bailarinos dando depoimentos. Documentário. Lindo.
Sensível. Lindo. Eu não assisti. Mas só a promessa de ver já me faz feliz. Abre
um sorriso no rosto, ansioso. Eu me alimento de promessas. Promessa de ser, de
acontecer, de ganhar, de tudo. E eu acredito em tudo. Quando desacredito, quase
morro. Vou ao fundo do poço, rastejo na lama, não como, não bebo, não levanto
da cama. Se acredito, tudo fica lindo. Acredito na sua intenção. Acredito na
sua boa intenção.
O coração é acéfalo, claro. Porque precisaria pensar? Basta sentir.
Sentir tudo de todas as maneiras, sentir como se a vida tivesse de fundo
musical blues deliciosamente tocados e cantados, para dançar e esquecer-se dela,
da vida. Porque pensar na vida é como se de repente, súbito feito tsunami, você
sentisse a célula mínima que compõe sua nuca, bem onde o couro cabeludo se une
à pele do pescoço, ela existe, toma consciência. Que diferença isso faz? Ela está
lá, pulsando, tensionando, fazendo com que sua cabeça fique firme, olhando para
frente, digna. É assim. É só.
O excesso de sensibilidade cria alguns problemas. Já tive
rinite. Agora, bem tratada, ela é apenas uma grande sensibilidade aos aromas e
cheiros do mundo. É bom mesmo quando é ruim. Tem pessoas que sensibilizam tanto
com o entorno que choram de ver o outro chorar. Emocionam-se com coisas belas,
com coisas feias, com coisa nenhuma. Parece que a fonte da água é ali, em seus
olhos lacrimejantes a cada passo. Veem crianças sozinhas, choram. Veem aquele
cãozinho pedinte, choram. Veem a propaganda de cartão de crédito, choram. Choram
desesperadamente se ouvem uma poesia. Têm motivo? Não precisa ter. Aliás, não
precisa nada, é um despejar-se de graça. É como ser um camaleão dos sentidos.
Com sensibilidade dá para viver mais vidas que a sua
própria. Dá para viver as perdas que não sofreu. E as vitórias que não
conseguiu. Dá para entender os motivos de quem parte e para experimentar a dor
de quem fica. Sente o enjoo da mulher grávida, a boca seca do ator no palco, o
gosto amargo da culpa, o gesto desconsolado e vão de quem reconhece o erro, a
voz que não sai no grito de adeus. O cheiro do vinho já é um gole. Imaginar a
rosa é ganhá-la. O amanhã é uma angústia, ontem é um trem passando sem parar na
estação.
Tudo é transbordante de olhar. Intenso e extenso. Os ombros
suportam o mundo e o mundo saboreia cada gota de saliva antes de sorver
completamente. Cada gota de seu sangue quente e vermelho passa pelas veias de
todo louco que lhe conta uma história. O ar que respira veio diretamente da
boca de quem lhe dirige um olhar sôfrego, um olhar pedinte, lhe estende a mão
úmida e fria, sem bolsos para esconder-se. E nada se lhe esconde. Vê o que há
atrás da porta antes de entrar. Pressente a dor que acompanha o sorriso na mesa
de jantar. Desnuda as faces compassivas por trás do gesto indiferente.