Não
tem saída, o beco, como não tem outro jeito, o pássaro, senão voar. E se tudo
for minha imaginação, prefiro ser o pássaro que se perde no ilimitado céu, do
que ser aquele lugar que te aprisiona. Porque um momento amanhece novamente, e,
na luz, voltamos a nos vislumbrar como somos: etéreos corpos em corações
partidos. Por mais que procure, os pedaços que faltam clamam por seu lugar, nas
ruas, nas encruzilhadas, nas esquinas de outras vidas que se foram.
Prefiro
ser o pássaro que parte quando chega o inverno, levando consigo as sementes do
calor que viveu. E assim manter-se aquecido quando não restarem senão promessas
de uma nova vida.
No
esforço do voo, terei que deixar pra trás tudo ou quase tudo, levando comigo
apenas o que for leve, o que marcou a pele, a retina e a língua, o que resistir
ao vento forte e as alturas. Levando um pouco do pó talvez, pra me lembrar de
que vivi, e do que fez secarem minhas lágrimas, antes da beleza de um por do
sol.
Eu
sei que a poesia é inútil. Inútil também é o amor. Assim, entre uma e outro,
vou apagando minhas pegadas, vou aprendendo a querer e a voar, porque amor que
é amor, não agarra, é livre; não morre, transcende. E se sou como tudo:
energia, um fragmento de luz passando pela fresta da janela feito lua cheia, se
sou um fio de teia de aranha balançando na brisa esperando alcançar o outro
lado da porta, o outro lado de tudo, pra fazer uma ponte, pra ir além, se sou
quase invisível que não sei onde estou ao certo, então posso me reinventar a
cada vez uma nova pessoa, um novo mapa, uma nova rega sobre as pétalas abertas,
delicadas, perfumadas, deixando um rastro de aromas no ar.
É
preciso aprender a partir, a partir sem olhar para trás, a aceitar que a vida é
o caminho e não um lugar. Entender que crescer é também um pouco solitário, um
pouco silencioso, e muito difícil de identificar quando acontece. Crescer é
apenas seguir em frente, sem ficar batendo o pé esperando que a vida seja
aquilo que desejo e não aquilo que é.
E
no azul sem fim do céu, alço o voo que havia planejado antes, muito antes,
quando resolvi abandonar a terra firme. E se bem que a terra me prendia e
pesava, agora, que o alto é realidade, o frio me invade e estremeço. A pele
quer esse vento passando apressado, mas o coração hesita. Sempre ele, sempre
ele querendo ficar, querendo tudo, querendo mais. O querer é uma prisão cheia
de presentes.
Quando
escurece e o dia finda, como todos os pássaros, encontro um pouso tranquilo
para descansar. Lá embaixo tudo continua como antes. Os gatos na janela, os
cães latindo para qualquer ruído, as pessoas seguindo sua vida nas rotinas que
quiseram. Consigo ouvir a música que toca na minha casa, no mesmo lugar. De
noite até os macacos ficam quietos. Olho para mim, deitada na noite longa,
esperando um milagre, sonhando com o porvir. Coitada de mim: não existe porvir.
Enquanto ajeito as asas para me aquecer e equilibrar, sorrio por dentro. Não
existe porvir, pequena.