quarta-feira, 17 de junho de 2015

O outro lado do espelho

Acredito que tudo que duas pessoas – ou mais – procuram mutuamente, seja em relacionamentos afetivos de toda ordem ou comerciais, é cumplicidade. A cumplicidade pressupõe igualdade, inclusividade, aceitação, multiplicidade, parceria (embora nem sempre isso seja evidente para quem a espera). Ela é mais energética do que qualquer aditivo químico. Aliás, ela é “a” química. A ligação forjada através dela é praticamente indissolúvel por si só. Tem que fazer um grande esforço para quebrá-la.

Ela é tão forte na expectativa geral, que todas as pessoas que não se apresentam cúmplices são inicialmente vistas com desconfiança. Ou classificadas como más ou segmentadas. Em geral, pessoas que tomam atitudes pensando em si mesmas sem medir consequências para os outros – o que é não-cúmplice por excelência – são abjetas. Eu, que não acredito na maldade, penso que esse seja o maior vilão de todas as relações.

Por exemplo, a Rainha Vermelha de Alice parece desgovernada gritando o tempo todo ”cortem-lhe a cabeça”. Mas é apenas porque reis e rainhas nunca são cúmplices. Eles mandam. Estão acima do bem e do mal. Não chegam a ouvir o que há de fato, o que está sendo contado. O que é que está envolvido, quais as nuances. Eles estão sempre em oposição, e não em conformidade, em atitude de confronto e não gregária. A exclusão da decisão faz com que os demais – que não partilham de seu poder – classifiquem-no como mau/mal.

A autoridade faz isso em geral. É como as traves de um gol dizendo onde está certo e todo o resto errado. Quanto a mim, talvez seja eternamente adolescente. Acredito que existam noventa e nove formas de acertar e apenas uma de errar. Acreditar nisso me empodera, traz multiplicidade e complexidade à vida. Faz da vida uma aventura real. Onde cada opção leva a uma direção. E assim, meu caminho vai entortando para cá, arretando para lá, descendo ladeiras ou subindo morros, cruzando precipícios. Já tive que subir em árvores para descobrir onde estava, e vi passar muita tempestade também. No mais, estou caminhando ainda.

O certo é que parece ser mais fácil errar sozinha do que com alguém. Eu não gosto de errar duas vezes a mesma coisa. Não gosto de repetir lição, sou impaciente com voltar à mesma estação para esperar o mesmo trem para ver se sentando em outro lugar posso chegar em lugar diferente. Mas acertar ou errar é só um ponto de vista. E se procuro alguém na vida é porque quero outro modo de ver, outra perspectiva, outras certezas. Porque, quem quer encontrar continuidade, saudosismo, manutenção e não efetiva mudança, fica melhor se ficar sozinho.

O encontro com outra pessoa pode ser a guerra, pela disputa de espaço ou voz. Pode ser a tentativa de encontrar súditos ou carneiros para pastorear. Ou pode ser apenas um ringue para gastar energia. O contrário disso tudo pode ser diferente. Ser cúmplice. Talvez seja mais difícil que ganhar um round na luta. Mais difícil que fixar um olhar no horizonte e dizer categoricamente que é esse o lugar mais lindo. Mas fazer poesia também é difícil, pintar um quadro ou fazer uma estátua de ferro fundido. Difícil é tudo aquilo que exige mais de nós. E isso é que é abrir fronteiras, abrir caminhos, construir, criar.

Ser cúmplice é um exercício. Exige determinação, como fazer abdominais, ou dietas, ou contas. Pode doer no início. Pode até parecer inútil. Agora, tem uma coisa bem a favor: só depende de nós mesmos.