Hoje,
finalmente, tomei a primeira cachaça do ano pela paz mundial, pela erradicação
dos preconceitos, pela intolerância, pela paz de espírito. Tomei com júbilo.
Com fervor. Em prece, em agradecimento, em sinal de reconhecimento pelo que a
vida me dá: amplitude, liberdade e horizonte. Hoje, depois de ter escorregado
muito subindo a montanha, alcanço o topo, onde o limite do meu olhar é o céu,
e, abaixo, uma terra verde de encosta generosa.
Sim,
brindei com cachaça boa. Daquelas que fazem esquecer todos os percalços do
caminho, todas as pedras em falso, todos os falsos paraísos que ficaram para
trás. E não pelo excesso, mas pelo prazer. O prazer, assim como o amor, faz
neutralizar as dores, faz rir os dramas e, sobretudo, deixa um sorriso
duradouro no rosto.
Não é
mérito da cachaça trazer esse prazer. O prazer vem de haver ultrapassado os
limites. As fronteiras auto impostas das crenças restritivas. Você pode
acreditar por muito tempo que basta retirar as pedras para o rio virar mar, mas
antes terá um longo percurso a percorrer.
Hoje, no
marco da minha pegada no chão, eu comemoro. Fiz pastel de meia cura com tomate.
E sopa de lentilha. Cardápio que me regozija apenas pelo fato de ser o que eu
queria comer. A paz é isso. É chegar ao ponto de equilíbrio entre o que há para
comer e o que você quer. Basta ser flexível. Basta abrir a geladeira e aceitar.
Embora você
possa dizer que paz é muito mais e vou concordar. Isso é muito mais, também.
Soltar os grilhões que prendem seus pés ao chão, saltar da imaginação leve para
o sonho, como um gato, transcender a nuvem, a foto do celular, ir além do
olhar, isso é paz.
O mundo
gira sem pressa quando você sabe para onde vai. E o melhor de tudo, gira na
mesma direção que você seguir. A isso, brindo. E aproveito para saldar os novos
ventos, e os novos eflúvios, todo o ar que me salva de ter estado sufocada pelo
simples fato de paralisar. Às vezes é difícil dar um passo quando tudo em volta
não nos atende, ou até mesmo quando tudo no entorno é duro como pedra ou frio
como a solidão. Dar o passo de acreditar que pode ser diferente, ainda que
precise mudar o jeito, o traçado, ou o olhar.
Não dar o
passo para deixar de doer. Parece absurdo. Mas às vezes, a dor faz crer que
seja necessária, como a margem do rio que limita e restringe seu acesso. Até você
entender que seu destino não é ser rio, mas nuvem.