sexta-feira, 11 de março de 2016

Não Levarei Nada

Não. Não tenho como devolver o que levei. Sobretudo, não tenho como recuperar o tempo que levei para entender que não havia saída, que não havia opção, e todas alternativas eram um erro. O tempo que o espetáculo ficou no ar, fazendo estripulias num trapézio sem rede embaixo. Que meu coração ficou em suspenso, querendo acreditar que, se houvesse amor, bastaria.

Talvez não houvesse. E minha teoria continua válida. Bastaria amar, amar verdadeiramente acima de todas as incertezas, de todas as coisas fora de lugar e da ordem. Amar, independente das datas, dos dias marcados, das regras. Amar nos salvaria.

Talvez o amor fosse pouco. Precisaria mais energia ao acordar, mais disposição ao levantar, mais alegria no passar do dia. Precisaria parar de chover, e toda lama secar. Os cães deveriam ficar quietos, e o guarda-roupa precisava deixar de cheirar, o mundo pararia de girar para acertar o passo errado. O meu.

Quando o amor é pouco, todas as diferenças são grandes demais para serem superadas. E o que é igual, não extasia. As noites não descansam, os dias não alegram. Sequer a beleza das árvores é notada no entardecer, sequer o caminho encontra um rumo de prazer. As flores desabrocham para nada.

Mas o que é pouco? O que é bastante? Pouco é o tijolo que não chega a erguer a casa, que não sustenta o telhado. Pouco é o ficar esperando que um trem pare por aqui, mesmo que não haja trilhos, mesmo que não haja estação. Pouco é o amor que espera pelo outro, sem dar sinal do que quer. Pouco é aquilo que não mata a sede, não apetece, não desmancha na língua, não deixa as pálpebras descerem lentas e confiantes.

Agora, pouquíssimo é o amor que mendiga promessas, gestos dramáticos, e, acima de tudo, que precisa de sacrifícios. Não atitudes abnegadas e generosas, mas sacrifício mesmo, com dor, com peso e sangue. O amor que cobra tributos e impostos, que cobra pedágio.

Por isso, porque sei o que levei, e levei muito pouco, também sei que não deixarei muito. Não deixarei rastros pela casa, nem meu olhar ficará gravado no vidro da janela. Talvez um livro me aponte o dedo, ou talvez uma árvore plantada no meio do quintal ainda possa dar muitos frutos, frutos que não colherei, mas que serão sumarentos e doces. Talvez coisas que não me chamem pelo nome, que poderiam ser de qualquer um, fiquem pelos porões, nas gavetas, ou em vasos espalhados por todo lado. Mas meu coração não deixará parte alguma. Não ficarão cacos do que se partiu. Nem sob o tapete.

A vida não parou para eu nascer, nem pararia para eu descer. Eu pulei e saí nadando, quase sem fôlego, quase sem acreditar na água fria. O bom do frio é que ele faz você se mover, sair do lugar cômodo, tentar alguma coisa diferente. Sim, porque repetir é demais. Agir como se estivesse sempre à frente da mesma pessoa ou situação, em confronto com o mesmo inimigo, dançando com o mesmo par, é, dentre tudo que posso viver aquela que mais me cansa, me desanima, me faz cair os braços e os ombros, sem tentar segurar o pão que estava ali antes.

Eu vou seguir assim, sem levar nada por ora. Sem levar sequer a lembrança do que foi, maculada que está acorrentada com cadeado sem chave, para ser lançada ao fundo do rio. Um pouco da lama da estrada vai junto. E a chuva, que cai sem trégua, vai lavando todas as marcas, todos os registros e sinais que poderiam indicar quem sabe uma porta possível para um depois. Ao invés, pisoteada com a lama, a grama encobre os passos e as direções. Vou rumar para longe. Olhar para o horizonte, contemplar a paisagem renovada. A hora é do vento levar, de se deixar levar.

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