segunda-feira, 18 de outubro de 2010

Estou preste a recuperar a paz

Sinto que estou preste a recuperar a paz. Eu, que vim de longe em busca da simplicidade, agora estou na porta de encontrar também a calma. Por que me distanciei tanto do meu objetivo? E por que demorei tanto para me dar conta? Um dia ainda terei as respostas. Por ora basta que eu levante a mão e toque a maçaneta de uma nova vida. Uma nova era. Aquela que acreditei ser possível, ser tangível, ser verdadeira e para a qual dei as costas imprudentemente, há quanto tempo?

Não tem nada que se compare com isso. Talvez um riacho correndo transparente deixando um rastro cortado no silêncio. Um som de espuma batendo na pedra. Batendo e passando. Não, não tem nada que possa pagar por esse silêncio no peito que é a calma. Pode ventar agora, pode chover sem parar. E eu já não saí de casa porque chovia ou porque ia chover. Eu já fui infinitamente triste.

Não sei o que é a tristeza. Sei que não é normal. Não é normal olhar o dia que nasce com sol aberto no fundo azul por trás da renda da copa das árvores, pássaros cantando descontraidamente, e não ter vontade de sair da cama. Não ter vontade de sair de casa, não ter vontade. Não é normal ficar olhando para o tempo parado vagando um coração que não quer nada. Por que fiz isso da minha vida e por que foi tão difícil me convencer de que precisava fazer alguma coisa, eu não sei também.

Comecei mudar de fora para dentro na expectativa de que um dia conseguiria tocar profundamente minha emoção. Mudei de emprego, mudei de casa, mudei de cidade, mudei de vida, mudei meu olhar para a vida. Fui pintando um quadro bom de ver e bom de viver. E continuava um coração triste debaixo de uma pele brilhante. Como a gente pode se enganar quando quer! Cheguei a vestir a fantasia de estar realizando meu sonho quando só estava tirando a pedra de dentro do sapato que era bonito, elegante, mas não era para mim.

Posso ser feliz hoje apenas colhendo cogumelos selvagens. Posso ser muito feliz apenas aceitando as coisas que me sucedem. Levou tempo para poder respirar sem dificuldade o ar frio da montanha. Lá fora os pessegueiros estão até arqueados do peso das frutas. As amoreiras estão em flor, lindas, lindas. E meu coentro que o menino havia carpido e eu pensava que havia perdido renasceu perfumado novamente. O lugar-comum da primavera, que posso fazer? Ela é assim mesmo: um remédio até para os nervos. Para os nervos escangalhados da dor que a vida faz de não haver compreensão. Fico feliz de poder compreender agora.

Mas ainda quero muito. Eis outro mistério: por que o desejo e por que o desejo em mim deseja tão fortemente? Antes acreditava que era para eu me corrigir que eu errava. Mas não faz sentido. Não faz sentido dar um castigo para aquilo que se fez sem consciência. A consciência é o perdão de tudo, e sem ela não pode haver crime. O único crime é a ignorância. E querer é ter a vontade recuperada. Eu achava que não desejava mais porque estava deprimida. Mas eu estava deprimida porque não desejava mais. Foi mudar o cenário, mudar os atores, mudar o figurino e voltei a desejar viver como não sabia mais que ainda sabia.

O perfume da flor, o colorido do pássaro, a janela aberta, sem vidros para proteger, a chuva caindo sem pressa, o horário de verão implantado no horizonte que se alonga, tudo é um bom motivo para eu desejar de dentro da alma que brilha pelos olhos a vida que havia deixado pra trás. E estou prestes a me reencontrar, a me identificar claramente, os pés no chão e o coração alado, livre de amarras, do peso de uma âncora que teimava em me levar para o fundo. Agora, estou preste a voltar a voar.