Eu
não vou mentir: tem horas que eu gostaria de ser salva. Assim mesmo, um
príncipe ou um cavaleiro mágico, uma feiticeira ou um santo, alguém para vir em
meu socorro e salvar minha alma, ela que muitas vezes se engana e toma direções
erradas. Até é mais fácil falar dela – minha alma – na terceira pessoa, para
quase não me identificar com ela.
Uma
salvação fácil: acreditar que exista alguém disposto a me tirar de onde me
encontro – numa encruzilhada – e que possa decidir por mim. É esse o maior
fardo, o mais difícil da vida: decidir. Seguir em frente ou virar à esquerda?
Apressar o passo ou parar para descansar? Pegar a descida ou a subida? Sigo
pelas alamedas de sombras frescas ou permaneço ao sol? Eu queria muitas vezes
um mapa para seguir, uma receita pronta, uma solução acabada.
Depois,
relembro que já tive essas coisas todas às mãos. Herdei algumas, negociei
outras, troquei a maior parte. A verdade é que, me identificando com o sujeito
da oração, nunca me deixei passiva para acatar resoluções de outrens. Fui
fazendo combinações mais ou menos ajambradas, costurando aqui e ali, um caminho
com uma direção, chegando em algum lugar inesperado às vezes, às vezes não
chegando em lugar algum.
Ainda
assim, o mais difícil é estar só. Quando se escolhe, como eu escolhi, seguir seu
próprio caminho saindo da estrada principal, pegando vias sem placas, apenas
entendendo a direção, quase não se encontra outras pessoas caminhando junto. E
quando encontra, é por pouco tempo, enquanto não surge nenhuma bifurcação ou
trilha, ou algo incontrolavelmente desejável, interrompendo a caminhada,
fazendo trocar de margem, atravessar uma ponte.
Eu
juro que nesse exato momento estava esperando um milagre. Quem sabe uma visita
inesperada? A batida na porta que dispara o coração, um pouco de medo, um frio
na barriga, um salto quântico, uma tempestade carregando tudo, um buraco negro
sugando toda a luz vorazmente, e eu em turbilhão sendo carregada para uma praia
distante, desconhecida, com uma areia grossa, água cristalina molhando meu
corpo, morna, até que eu desperte para uma nova vida.
Mas
a vida essencialmente é uma escolha e não mágica. Tem lá seus encantos, muitos
às vezes, às vezes nem tanto. O encanto é quando abro a janela e deparo com o
dia, aberto e aceso pelo sol da manhã, esplêndido como um cavalo alado rompendo
a paisagem. Momentos doces como tomar café com pão e manteiga. Como uma
lembrança que um perfume traz de repente de volta. Como um sonho.
A
vida e o sonho. Uma é a carruagem, o outro o cavalo que vai puxando tudo,
rumando para além da estrada. Abrindo clareiras onde era só picada na mata. Gosto
de pensar na vida assim, romântica e idealista, como quem desenha com carvão na
parede dos muros, escrevendo o próprio nome, sem sujar os dedos. E depois, ver a chuva lavar indolente com a
água escorrendo, devagar e fria. Não dói ver perder tudo pela calçada, o que dói
mesmo é a lembrança do que foi lindo e não é mais.
Além
do milagre das soluções sem escolhas, também queria que fosse para sempre. Queria
que tudo durasse o tanto que fosse necessário para nunca esquecer como foi,
nunca esmaecer a cor vibrante inicial, nunca, nunca, nunca perder o caminho de
casa, deixar de voltar, deixar de querer. Querer é sonhar. E o sonho é um
combustível infindável. Move mais que combustão, explode mais que hidrogênio, e
mantém a chama de uma vela eternamente acesa no altar da deusa.
Preciso
do sonho porque preciso crer. Preciso acreditar em cada pedra do caminho, em
cada gota da chuva que cai, em cada momento em que a garganta secou. Preciso do
fôlego que sonhar me dá só por existir. Só por eu sonhar.
Sim,
sonhar o que é? Talvez um ar novo entrando pela janela, entrando pelas narinas
até quase sufocar. Ou um banho de cachoeira, gelado e intenso como um abraço. Sonhar
é não aceitar apenas o que amanhece, mas desejar que a tarde glorifique esse
amanhecer. É ansiar pela escuridão da noite acompanhada de estrelas. É como
comer suflê de chocolate: delicioso e quase nada.
Na
minha noite, eu queria poder me mostrar assim frágil e despreparada a tal ponto
que a vida fizesse um sinal para o motorista e me deixasse contemplar um pouco
mais antes de dar a partida. Não. A morte não é o fim. O fim é deixar de
sonhar.