sábado, 19 de fevereiro de 2011

Quando ouço meu coração cantar o canto do cisne

Quando ouço meu coração cantar o canto do cisne, lindo mas solitário, entendo que é hora de sair de casa. Andar, andar muito para ver as flores que nascem delicadas e de graça, aos punhados, amarelas e roxas e brancas e lilases e azuis e vermelhas e tantas que chego a me perder na multidão de doce dar, então não tem mais solidão que me vença. A beleza é a rainha da vida. Plácida e contemplativa.

Sim, ouvir o que diz seu coração. Mas antes de tudo, alimentá-lo. Não o deixar passar fome, não o deixar passar necessidades. As cicatrizes alteram os sentidos. E tudo que tem sangue sente dor. Não o deixar bater demais, bater estressado seja por dor seja pelo medo alegre de esperar. Então ouvir a canção que vem de bater a paz. A paz justa de quem acredita. Crer é metade do caminho. A metade mais difícil do caminho.

O coração bate porque a vida não é um regato que corre solto. É preciso intenção, é preciso querer. A vida que desliza distraída pelo córrego também é linda. Mas a alma precisa de vontade para sentir-se viva. Precisa criar seu próprio caminho, o caminho traçado no tempo anterior ao esquecimento. E agora, quando a memória só lembra do que é perto, carece de ter vontade para seguir.

A vontade faz sentir-me viva quando tudo o mais parece inanimado. Embora haja sempre o risco de ela ser tão forte que não aceite menos do que deseja. Que não aceite outra realidade que se desdobra para me fazer feliz. Porque, eu queira ou não queira, o universo conspira para minha felicidade. Conspira para que eu acorde todo dia e me sinta viva, intensamente viva, viva como nunca antes. Viva como outrora, viva. Mas o que é vida senão um encadeamento de paradoxos? Para sentir-me viva, quero realizar meus desejos e vontades mais íntimas. E por ser íntima não se realiza para fora. O desejo que se realiza se consome em si, a alegria de viver e a dor de findar-se.

A vida consome a vida. E tudo que é vivo morre um dia. Morre o passarinho que está cantando lá fora. Até o sol, que é a fonte de toda a vida, morre ao menos para um lado da vida. O brilho no meu olhar de te ver chegar um dia vai cessar. Meu coração vai parar de bater pela sua presença, vai parar de querer sua presença. E a ausência sua que me faz sentir tanto a amplitude do campo um dia virá a ser uma lembrança da amplitude do campo, apenas.

E o que quero mesmo é conseguir superar esses paradoxos que vivo como uma dor no peito que não tem cura. Quero poder ver as coisas que passam como se fossem o vento que vai e volta outro. Que revira as folhas caídas no chão e as deixa cair novamente. Que passa. Eu mesma passageira nessa vida. Precisava entender que todo esse sobe e desce, esse vai e volta, esse movimento todo é uma ilusão de estar muito perto, e que de longe tudo faz sentido. Então é que preciso aprender a me distanciar sem me perder. A me deixar levar porque sou o mestre da minha vida.

A casa arrumada dá prazer mas nem sempre consciência. Essa quase sempre vem da bagunça. Por isso, vou escolher ver na beleza o sentido para minha vida. Mesmo que ela morra como a flor que só abre para o sol.

domingo, 6 de fevereiro de 2011

Sol aberto em céu azul

Sol aberto em céu azul. A vida até parece mais viva hoje. Como nos impacta um dia como esse! Então tenho certeza de que nascemos para seguir a luz. A luz move, alegra, dispõe. Da luz se fez a vida e toda a vida que há lembra da luz que é sua única memória remota de origem.

Quero a luz que ilumina meus dias e me explica os seus significados. Não quero dar significado ao que vivo, mas quero entender o sentido de tudo. Quando dou meus significados para as coisas faço delas apenas uma continuação de meu saber, não cresço nada. Mas quando percebo, de mente aberta, o seu sentido, então sim, a luz me penetra e me abro em luz. O significado de tudo que está em mim também se apresenta. Um significado que se abre para todos.

Quando fecho a mente para entender o que a vida me dá, interpretando a partir de regras externas, de explicações que estão fora de mim, quando me contento com essas explicações e não tento aprofundar a experiência, não me ouço de verdade, apenas perpetuo a minha existência, não vivo realmente.

Por isso, olhando o céu azul e o sol que esquenta e ilumina, sei que queimo em mim todas as velhas explicações da vida. Já não me satisfazem. Já houve um tempo que queimei bruxas porque falavam o que eu não entendia, já joguei pedras em mulheres que saiam de casa, já cortei a cabeça de hereges porque professavam outra fé, cortei a cabeça de bárbaros porque eram bárbaros todos os que vinham de fora, já escravizei homens e mulheres e crianças para me servirem, já prostitui, usei alucinógenos para enganar, já usei a palavra divina para manipular, quem sabe o que mais não fiz nessa história humana.

Mas o mundo pode acabar o ano que vem, amanhã pode acabar, e passei o tempo todo querendo dar significado para tudo que fiz sem verdadeira consciência dos sentidos. Consciência quer dizer luz. Não pode haver significado atribuído de fora para dentro. A vida é a experiência dela e não o nome que dou depois para ela. A ilusão dos sentidos e da mente que se deixa aprisionar, confortável e seguramente em horizontes prováveis.

A vida se alimenta da vida e apenas a luz não se consome. Hoje, em pleno dia, desperta e consciente, estou me abrindo para me unir à luz, para me unir a tudo que é luz. Para recuperar minha maestria e me iluminar como os iluminados, os budas. E como mestre de minha vida, posso chamá-la A VIDA, e não mais apenas minha.