sexta-feira, 6 de março de 2015

Amanhã é tarde demais

De repente, tudo estará acabado quando amanhecer. Feito bruma à luz do sol. Feito fumaça ao vento. O sonho todo de uma noite desaparecendo como água derramada na terra. Devaneio de louco. Flor exalando perfume tênue, aberta apenas para um único beijo de uma abelha descuidada. Murchou. Morreu. Foi-se sem deixar vestígio.

As promessas todas vãs e descompromissadas. Ou, pior que tudo, as condições todas desperdiçadas. Não ungidas. A mão deixada espalmada em troca de nada e, então, aproveitar e abanar um adeus. Simples. Dolorido, mas simples. Depois de amanhã, será como se nada houvera. Todos os pratos no lugar de sempre. Os barulhos da casa, menores. E tudo o mais no silêncio dos que se foram.

Não adianta olhar para trás e ver o ano que passou em tijolos soltos, sem arrimo. Ver os suplícios feitos aos gritos de “vai embora, fique”. Não adianta avaliar que tudo poderia ter sido diferente. A diferença é um gesto. E o gesto precisa de vontade. Se não houve vontade, não tem nada a reclamar. Ninguém por chorar. Não houve desejo – o motor da vida e da morte. Até mesmo a vela que fica solta ao vento move o barco. Mas o gesto.

O amanhecer pede um banho para reconhecer que tudo não foi só um sonho colorido que ficou no escuro. Pede água morna caindo sobre os olhos para desenevoar as incertezas e as dúvidas que o amor impõe. Todo movimento traz incerteza. Caminhar requer um pé no ar. E o amor é uma caminhada na direção de algo maior. Maior que todos os desejos juntos. Tão grande e tão lindo que não pede rede embaixo. Se pedir, não valerá o salto.

Viver é melhor que sonhar. Porque sonhar é fácil. Não move um músculo, talvez um sorriso. Talvez os olhos. Mas não requer energia. Pode promover vibração, calor, e entusiasmo. Ainda assim, um sonho é só um sonho. Ficar esperando que um vento certo venha para inflar o balão, não vai tirá-lo do chão.

O que faz você se mover de verdade? Dizer: é aqui, é agora. O que faz você sair para a rua sem pensar se vai chover, se é hora, se é tarde, se dará certo, se é seu, se se se se? O que faz com que a mão estendida aperte outra? Que ambas estejam estendidas na direção uma a outra, no mesmo momento, e próximas. E pensar que imaginava o amor uma emoção mais sutil, menos física ou real.

O amor é apenas um amanhecer com vontade renovada. Com a mesma pele querente. Com o mesmo gesto desprotegido e ingênuo, espontâneo. Amanhecer os olhos abertos e ainda em sonho da noite que passou. O amor é a passagem que dura. Permanece não a eternidade prometida e desejada, mas a renovação continuada do sonho.

Encanto. Magia. Emoções quase parecidas com acreditar em contos de fadas. Mas, haveria amor realmente sem encanto? Haveria como seguir em frente se o horizonte que se abre não tenha um arco-íris, uma alvorada dourada, ou uma luz que seja pela fresta do que estreita? Haveria amor na submissão? Na conformidade? No medo?

No medo de repetir todas as dores, ou de viver o desengano, ou de não acreditar nas mudanças, ou de sofrer antecipadamente por tudo que pode dar errado. Medo de embarcar por não saber se o mar não engolirá tão rápido que não terá tempo de ser feliz? Ou medo da plenitude – todo amor é pleno – que vem com a entrega.

O amor é um embarque sem bilhete. Um embarque sem saber a direção, ou onde será a parada. É uma viagem que se faz sozinho ao lado de quem faz bem estar. O amor não é um estado do ser. É a transformação do ser. Quem partiu nessa viagem, não é o mesmo que desembarca. Não há como continuar no mesmo lugar e viajar. Algo fica para tras. Algo tem que se desapegar. Preço que tem que ser pago antes de saber se vale a pena pagar. E sim, o amor é uma viagem sem volta. Agora.