De repente, tudo estará acabado quando amanhecer. Feito
bruma à luz do sol. Feito fumaça ao vento. O sonho todo de uma noite desaparecendo
como água derramada na terra. Devaneio de louco. Flor exalando perfume tênue,
aberta apenas para um único beijo de uma abelha descuidada. Murchou. Morreu.
Foi-se sem deixar vestígio.
As promessas todas vãs e descompromissadas. Ou, pior que
tudo, as condições todas desperdiçadas. Não ungidas. A mão deixada espalmada em
troca de nada e, então, aproveitar e abanar um adeus. Simples. Dolorido, mas
simples. Depois de amanhã, será como se nada houvera. Todos os pratos no lugar
de sempre. Os barulhos da casa, menores. E tudo o mais no silêncio dos que se
foram.
Não adianta olhar para trás e ver o ano que passou em
tijolos soltos, sem arrimo. Ver os suplícios feitos aos gritos de “vai embora,
fique”. Não adianta avaliar que tudo poderia ter sido diferente. A diferença é
um gesto. E o gesto precisa de vontade. Se não houve vontade, não tem nada a
reclamar. Ninguém por chorar. Não houve desejo – o motor da vida e da morte. Até
mesmo a vela que fica solta ao vento move o barco. Mas o gesto.
O amanhecer pede um banho para reconhecer que tudo não foi
só um sonho colorido que ficou no escuro. Pede água morna caindo sobre os olhos
para desenevoar as incertezas e as dúvidas que o amor impõe. Todo movimento
traz incerteza. Caminhar requer um pé no ar. E o amor é uma caminhada na
direção de algo maior. Maior que todos os desejos juntos. Tão grande e tão
lindo que não pede rede embaixo. Se pedir, não valerá o salto.
Viver é melhor que sonhar. Porque sonhar é fácil. Não move
um músculo, talvez um sorriso. Talvez os olhos. Mas não requer energia. Pode promover
vibração, calor, e entusiasmo. Ainda assim, um sonho é só um sonho. Ficar esperando
que um vento certo venha para inflar o balão, não vai tirá-lo do chão.
O que faz você se mover de verdade? Dizer: é aqui, é agora. O
que faz você sair para a rua sem pensar se vai chover, se é hora, se é tarde,
se dará certo, se é seu, se se se se? O que faz com que a mão estendida aperte
outra? Que ambas estejam estendidas na direção uma a outra, no mesmo momento, e
próximas. E pensar que imaginava o amor uma emoção mais sutil, menos física ou
real.
O amor é apenas um amanhecer com vontade renovada. Com a
mesma pele querente. Com o mesmo gesto desprotegido e ingênuo, espontâneo. Amanhecer
os olhos abertos e ainda em sonho da noite que passou. O amor é a passagem que
dura. Permanece não a eternidade prometida e desejada, mas a renovação
continuada do sonho.
Encanto. Magia. Emoções quase parecidas com acreditar em
contos de fadas. Mas, haveria amor realmente sem encanto? Haveria como seguir
em frente se o horizonte que se abre não tenha um arco-íris, uma alvorada
dourada, ou uma luz que seja pela fresta do que estreita? Haveria amor na
submissão? Na conformidade? No medo?
No medo de repetir todas as dores, ou de viver o desengano,
ou de não acreditar nas mudanças, ou de sofrer antecipadamente por tudo que
pode dar errado. Medo de embarcar por não saber se o mar não engolirá tão
rápido que não terá tempo de ser feliz? Ou medo da plenitude – todo amor é
pleno – que vem com a entrega.
O amor é um embarque sem bilhete. Um embarque sem saber a
direção, ou onde será a parada. É uma viagem que se faz sozinho ao lado de quem
faz bem estar. O amor não é um estado do ser. É a transformação do ser. Quem partiu
nessa viagem, não é o mesmo que desembarca. Não há como continuar no mesmo
lugar e viajar. Algo fica para tras. Algo tem que se desapegar. Preço que tem
que ser pago antes de saber se vale a pena pagar. E sim, o amor é uma viagem
sem volta. Agora.