Todo início, um estranhamento. Todo começo, uma novidade. Tudo
diferente, portas em lugares inesperados, temperos onde não estariam. A vida
anseia por começos porque a renovação é uma necessidade. Células que se revezam.
Novos galhos, novas folhas, novos frutos. Todo impacto do novo na aragem da
janela aberta. Há que deixar aberta a janela para que, o que nunca foi, seja.
Nas voltas do mundo, um dia diferente. Amanhece como todos
os outros. Sol em céu amarelo aos poucos se tornando mais azul. As árvores
balançam ao vento leve. Flores roxas e vermelhas. Cães ladram ao longe, e perto
um gato pede atenção. Podia ser mais um dia. Podia passar como todos os outros.
Mas não. Um brilho no olhar, um sorriso que insiste em ficar no rosto
iluminado. E eis que nada será como antes.
Tem uma receita que não falha, uma hora que o silêncio reina,
e tem regras para tudo. Apenas uma coisa foge disso: a paixão. Ela rompe com a
rotina, faz crescer flores no peito, e estende o tempo. Ela dá novos nomes,
troca a saliva da boca, os gostos outros. Paixão, tão única na sua expressão
que chega a parecer sempre uma primeira vez.
Não. Eu não estou apaixonada. Paixão tira o chão, cria novas
realidades. Traz paciência para onde só havia pressa. Faz rir quando antes
faria magoar. Trocam-se os apetites, trocam-se abraços, os lábios não param de
se tocar. Não. Não estou apaixonada. Já fiz muito em me apaixonar. Querer muito
e muito e muito, a quase querer morrer. Ou quase querer ser o outro. Tomar o ar
em torno daquele que faz sorrir de lembrar. Não.
Deve haver outro nome para isso. Uma palavra melhor que
paixão, que diga além de todas as palavras aquilo que é além da paixão. Sim,
amor. Amor com certeza. Ainda assim, deve haver outra palavra que desenhe o
significado disso, além de além de além. Amor, sim. Mas o amor que deus plantou
no coração de todos para viver pleno e total. O amor que colore a cor, que
ressoa violino com tambor, a voz afinada do silêncio. Que não tem medo de
escuro porque faz luz. Que anda por onde não conhece, e reconhece que não sabe.
Nem é amor, é amar. Um gesto. Uma atitude. Um querer. Amar. Sim,
eu te amo. Nesse momento, tudo que era absoluto e presente passou. No amar,
tudo o mais virou cenário. As frases soltas, sinceras, espontâneas, preenchem o
palco. A peça, meu teatro para você, de arena, enseja um balé doce e suave,
pleno. Sem cortinas, sem regras e contrarregras, sem figurinos ou figurantes.
De tudo que já falaram e já foi dito sobre o amor, meu amar
sobrevoa. Amar você é um sim, um talvez, um por
que? É uma pergunta sem resposta, uma resposta sem sentido, um sentido direto
na aorta. Que gosto tem meu amor? Você o diga. Eu quero ouvir você dizer aquilo
que nunca foi dito nem que seja o silêncio, inventar uma palavra para chamar
esse momento, dure o que durar, um momento infinito. Quero ouvir você gritar
meu nome no meio do teu prazer. E todo o prazer seja esse amor/amar você.
Na minha vida já vivi
tantas paixões e tantos amores, tantos. O plural que me confunde. Só não me
confunde o amor que sinto por você. Amor que caminha pelo corpo, tranquiliza o
coração e dispara todos os sentidos. O múltiplo, a proparoxítona, o verso sem
rima no ritmo da nossa canção. A música que dança. Um “eu amo você” em cada
canto da casa, sob o tapete, no banheiro, pendurado na parede. Eu olho no
espelho e lá está: amo. Gargalhadas vibrando na noite. Nada solene, nada
pesado. Amor que falta apenas dar nome e que, por enquanto, eu insisto em
chamar de você!