O medo e a paixão são a mesma emoção. Descargas de
adrenalina no sangue. Os músculos enrijecem. O mesmo frio a percorrer a pele.
Uma quase dor no estômago. Mas eu gosto mesmo é da paixão. E, se tivesse que
explicar, diria que é uma questão simples: a paixão move para frente.
Terei salvação? Abandonei a arena de gladiadores para
enfrentar os monstros na rua, de cara limpa, sem armadura. Invadi a sala de
espera fazendo barulho, de botas sete léguas, com capacete de motocicleta.
Inapropriada e desconcertante. Ponham-me para fora, se puderem. Não ligo a tv,
não tomo remédio, falo sozinha. No limiar entre a loucura e a sanidade sem
promessa de vida eterna. Esbanjando sorrisos e acenando com a cabeça.
No mais, a paixão me diverte. É um bocado de bandeira
hasteada, enfileirada, numa orla de praia. Todo mundo vê. Todo mundo sabe. Mas
ninguém entende. Parece improvável. Não importa se tem validade curta ou se a
perder de vista. Se ficará além de pegadas na areia ou se cravada na rocha. A
água vai passar por cima. Muita água. Transbordando de tudo que é lado.
Enveredando espraiada pela mata.
A paixão é assim, mata fechada em cima e embaixo. Um perigo.
O sol lá fora esparramando vida tornando tudo o mais dourado. E cá na floresta
a vida escorrendo desperdiçada e, se foi percebida, ainda assim sem sentido ou
direção. A alegria, em geral, não tem sentido algum.
Sim, a paixão passa ligeiro, bem ligeiro. Tão rápido, às
vezes, que chega a não dar tempo de apontar no céu, de reconhecer no espelho,
de entender. Eu já quis negar a paixão em prol do amor. Mas isso é o mesmo que
o fogo não querer mais a lenha. O mesmo que a planta não aceitar mais água.
Cortar o fio que traz energia para a lâmpada. Derrubar as paredes pelo lado de
dentro. Então, o medo.
E o medo? Que diferença faz? Um estado de constante transe.
Sobressalto. Como a paixão, tirando o apetite, tirando o sono, tirando tudo.
Mas só a paixão tira a roupa, claro. Os dois iguais no risco de morte. Se eu
pudesse escolher, morreria de paixão. Olhando o horizonte a procura do que
virá, uma falta de certeza, uma música interrompida, silêncio justamente na
hora do sim.
Ou talvez sem o medo não haja paixão. Um aperto para que o
sangue volte a subir. Retorne ao peito. Porque paixão, diferentemente da
plenitude da felicidade, embala feito onda de mar, vai e vem, sufoca a garganta
e solta o ar, endurece e depois esmorece.
Mas medo de que? Da morte. Do fim. De perder-se. Porque
apaixonar-se é se perder no outro. É perder o dia. Perder o ar. Perder o
caminho de casa, do plano de seguro, da aposentadoria certa. Perder o lugar na
cama. Perder a hora. O trem. Ir a pé. Sem bilhete de volta. Sem certeza de
acerto ou erro. Sem calma. Apaixonar-se, meu deus, intransigência do destino,
incoerência dos sentidos, sinal piscando no vermelho.
Gosto mesmo de regato que despenca sobre pedras, de
tempestade que derruba as folhas, de gosto de cachaça na boca: queimando e
docinha. A ordem do dia invertida, a começar pela noite que mal dormiu. O sonho
preterido à vigília, de olho fechado, ouvindo o bater insistente da aorta no
pescoço. A vida, se for ver direito, é paixão pura.
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