Meu sonho de felicidade passava ao largo do que vivo hoje. Errei feio. Sonhava azul e branco e hoje no meio de tanto amarelo e laranja é que estou feliz. No meio de verde e rosa, de cheiros de temperos, azeite fritando, cebolas, pimentas, no meio do dia e não da tarde. Manhãs perfumadas de café e pão assando, dourando e derretendo manteiga. Sim, meu sonho era mais selvagem, eremita de mim mesma, escondida das pessoas e da vida que passa simples. Hoje entendo onde errei o plano e quanta disposição perdida.
Percebia de viés, pela janela, sem abrir o peito de verdade. Na defesa de um coração arrebatado e indefeso, sonhador por natureza estranha e estranhamente melancólico. Sentia como quem pensava, palavras de um dicionário de jornal. Hoje não, sentir é perceber na pele a brisa leve quase imperceptível que nem move a cortina, balançando os cílios, fazendo piscar os olhos. Sonho sem grandeza, pequeno pequeno como a vida que se alarga ao microscópio. A felicidade palpável e invisível como o ar. Respirar a vida que reage à luz do sol, à luz que reflete na superfície dos rios, na corredeira agitada dos riachos, nas pedras momentaneamente iluminadas pela água.
A felicidade é um destino que não estava programado quando acordei um dia qualquer e me deparei ao espelho, eu e meu olhar surpreso, com um sorriso espontâneo sem pestanejar sequer. Que sorriso era esse? De onde vinha? Por que tanta graça meu deus? E era simples, era simples como a nuvem que passa sem ninguém ver, a não ser por uma sombra tênue sobre o campo longe. Felicidade desamarrotada depois de um abraço de urso, como podia ser?
Não, eu nem sequer sabia o que era felicidade. Como chegava, se vinha de fora, como entrava e se instalava, a casa cheia ou vazia, como fazia para se mostrar inteira, plena, tal como me sinto agora. Eu, que nem acreditava em plenitude no meio da vida. Achava que era coisa de final de linha. Plenitude? Era o fim. Que fim. Era como querer comer algo que nem conhecia, comer algo que só imaginava, ou nem imaginava. Um sonho debulhado no quintal, feito milho para galinhas, esperando ser devorado. Eu não sabia o que era ser feliz, sentir o peito alegre e repleto, derramando por todos os lados feito leite ao fogo.
Meus sonhos eram outros. E agora, isso. Uma vida inteira para ser aquilo que não fui até o momento. Uma vida que só agora começa. Sem medo, sem arrependimento, sem a estupidez de quem se antecipa e grita gol antes da bola atingir a rede. A estupidez de quem quer, quer e quer sem se perguntar se dá para ser, se pode ser. A alegre estupidez da criança descontraída brincando na beira do mar. Pensando bem, com um pouco de estupidez.