quarta-feira, 3 de fevereiro de 2010

Nasci no interior

Nasci no interior do estado de São Paulo o que faz de mim uma caipira. Ainda criança meus pais me levaram para morar na capital, mas já era tarde: em minhas veias já corria a necessidade de ouvir pássaros pela manhã, ouvir os riachos descerem em corredeira, a necessidade de ver entrar pela manhã o sol bordado de folhas de árvores, de sentir o cheiro de mato entrando pelo quarto ao abrir a janela.

Então, quando estava preparada, voltei para minha casa que é a roça. Aqui meus vizinhos mais próximos são ervas daninhas que crescem por todo lado, independente de qualquer coisa. São flores silvestres que nascem e desaparecem sem mais, são trepadeiras ou árvores frondosas, são uma quantidade enorme de frutas que plantei e vejo brotar a cada temporada como uma dádiva. Privilegiada que sou, vejo e acompanho o nascimento de cada fruto pela flor. E ando calma pelo meu quintal de vida dada amassando folhas secas, galhos caídos, meus gatos atrás de mim espantando os passarinhos. O perfume que vem da minha passagem, não tem como descrever. Essa conexão é a mais online que faço no dia. É minha mais íntima conversa com deus.

Foi minha escolha voltar para casa. Tem gente que sai e nunca mais volta. Nem olha para trás. Nem sente falta alguma. Tem aqueles que sentem falta, mas não voltam. Têm sempre um motivo que impede. E tem aqueles que colocam a volta como um prèmio que só será ganho se ele comer toda a comida, se ele terminar tudo que tem para fazer, se ele resistir à toda falta que lhe fez a vida. A vida que escolheu para viver. Voltar para casa não é bem voltar para onde nasci. Eu gosto mesmo é do frio, da montanha, do ar emoldurado por árvores enormes, verdes e coloridas, contra um azul que traz em si um friozinho gostoso, que pede aquecimento extra.

A vida é um patchwork de escolhas, às vezes um resultado lindo, às vezes nem tanto. E a gente pindura na parede da sala, ou pindura na janela, pindura no banheiro, ou pisa em cima. Escolhas que nos levam daqui para lá quase sem sentido muitas vezes. Ou com sentidos paralelos, ou com sentidos duplos. Escolhas que definem uma série de conseqüências, quase nenhuma prevista no momento da definição. Porque a vida não acontece dentro de um plano de negócios que foi estrategicamente montado. Mesmo os planos de negócios muito bem estruturados precisam de alguém para explicar porque algo não aconteceu como o previsto.

Minha colcha de retalhos da vida tem muitos tons diferentes. Ora muito vermelho, amarelo e laranja, mostrando os momentos de grande movimento e audácia, ora muito azul e lilás, naqueles em que fiquei contemplando os resultados. Tem lugar para tudo. Mas não sou original. Só faço copiar o que vejo por todo lado. Junto as cores naturais com um pouco de terra, um pouco mais de água, ou mais cor.

O que hoje é diferente é que antes eu abria a janela e ficava vendo o mundo lá fora, lindo, ou cinza, ou sujo. Agora, abro as janelas para entrar o vento. E abro a porta, o portão e a porteira e saio andando no meio do que é lindo, cinza ou sujo. Vou caminhando, seguindo meu rumo confiante. Sei onde está minha casa, e sei que deixo espaço no caminho para alguém mais que queira seguir comigo. Tem dias que vou longe, noutros quase nem saio das cercas do quintal. E ao encontrar alguém levanto o braço e balanço a mão, aceno com a cabeça e sorrio. Pode ser que o acompanhe um pouco, pode ser que sigamos em caminhos contrários, mas do encontro fortuito e sem plano pode surgir quem me acompanhe um pouco ainda até virar aquela curva, ou mais para frente um pouco, e de pouco em pouco vou transpondo meu caminho feito mais feliz e mais alegre porque esse é meu lugar e esse o momento.

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