Eu queria que o violão entrasse em mim e eu me tornasse uma
melodia. Ao invés disso, desisto. Não sou ritmo. Sou pura fama. Não tenho mãos
que se falam. Não sabe a minha mão direita o que faz a esquerda. E o mundo todo
gira à minha volta na total ignorância. A escura e fria ignorância. Mas boa e
fácil também.
Na verdade, o que não sei é persistir. Procuro o jeito mais
curva-de-nível-possível. Não quero nada que arda, coce ou dure. Dureza é um
investimento num tempo que não virá mais. Quero o peso que não caia. A folha
que revoe. O chão que cede. No mais, já estou indo embora.
Mas o violão vibra sua corda em mim. Numa escala de zero a
dez, nada. Parece que ando para trás. Não subo a montanha, desço de costas. Não
perco o fôlego, o ar me foge. No que vibra o peito, a caixa de ressonância
impugnada, fico perplexa. Só a impotência me consumiria mais. E é ela que me
consome.
Lágrimas incontidas escorrem quentes. Que gesto esse tão
assustador que desmonta? Tão impregnado de uma tristeza grudenta e salgada a
ponto de secar a garganta? A violência. Que envergonha até de contar. Que
humilha. Oco. Profundo. Batida de atabaque nas cordas dedilhadas.
Eu queria saber contar os causos tristes dos outros porque
os meus desencantos me paralisam as cordas vocais. E de todos os cantos, uma
voz soerguendo em notas desafinadas. Só queria ser um acorde frouxo e
descontraído, fácil, fácil, repetindo sem dó a mesma canção. O vazio.
No vazio não há vibração. Apenas no amplo e aberto. Motivo pelo
qual a dor viceja: a dor perpetuada pela insolência, pelo cinismo, pelo
arcaico. Faz-me rir até às gargalhadas, um lampejo de luz piscando rápido. E
depois passando. A mão perdida na passagem do som. Foste um difícil começo.
Quero erguer meu estandarte marron e amarelo sobre a cabeça
de todos os desgostosos, de tudo sonso e de mau gosto, de toda a falta do que
fazer, de todo o lodo e lama que há nos sapatos de todos os que têm razão. Eu
ando descalça. A pedra me fere a pele, mas eu ando descalça. Devagar, com
cuidado, mas solta e despenteada. Ergo meu triângulo da vida sobre a cabeça da
morte para renascer o impossível, o inveterado, o devaneio. Ergo minha flâmula
ao vento para ver balançar o cabelo dos meus pensamentos soltos como notas que
se vão ressoar.
Do meu olhar, úmido da última lágrima, corre o rio todo
desse novo mundo. O mundo que tem tempo para tudo, mas não espera ninguém.