Já tive medo de viver. Tive medo de dizer o que pensava. Tive medo de falar a coisa errada na hora errada. Desajeitada, quase um bicho encurralado em si mesmo, perdida no gesto que começava na frase de boca aberta, mas interrompida. Medo de perder, de ganhar, de ficar. Medo ele mesmo. Paralisou-me várias vezes um momento antes do salto, um instante antes do grito, do abrir os olhos quando piscava.
Parece que cheguei ao mundo sem querer, não me preparei. Dormia um sono que não lembro e acordei no banco no meio da praça de uma cidade esquecida. Precisei respirar muito antes de falar minha primeira frase. E quando falei, desafinei, esqueci o que ia dizer.
E assim, entre a consciência e a falta de controle, cresci um pouco para crescer no medo. E esse ficou pequeno, perdido no fundo da gaveta, perdida a chave. Pulei de trampolim, subi em árvores, mergulhei de cabeça, ralei a perna, quebrei a cara. Fiz mais estripulias do que podia imaginar algum dia na minha vida. Pus fogo na casa, fogo no mato, pulei fogueira, brinquei com o perigo, tudo para acreditar que o medo não me tinha mais.
Mas eu o tinha. Quietinho, rouco e amassado de tanto descuido e exagero, ele ainda estava lá. E, quando menos esperava, tomou-me de pronto novamente. Voltei a viver para dentro com medo de me expor. Era melhor ser criança destemida e cheia de confiança. Mas confiança em quê? O que maior que eu poderia existir que também pudesse me aceitar? O melhor e o pior de mim na mesma bolsa em que eu levava meus sonhos. Posso merecer? Posso querer? Pisar em ovos, com cuidado, para não quebrar nenhum. O erro inaceitável.
Eu me protegia do amor, do risco, da alegria. E, embora não tenha deixado nunca de viver o que queria, o medo num transe me fez ir embora diversas vezes antes do para sempre, antes do final feliz. E se alcançasse a felicidade no meio da vida? O que faria depois? Poderia haver mais felicidade além da felicidade? Medo até de ser feliz.
Então a chuva molhou, o rio passou, o vento soprou e eu despertei no meio da floresta sonhada, entre folhas secas. Brumas, névoa úmida em torno e, ainda assim, luz forte por toda parte. Acordo ou durmo? Herói de mim mesma, vou abrindo caminho por entre o mato que está em toda parte. Serei uma metáfora de um poeta bêbado ou sou o poema que alguém falou enquanto dormia? Não sei, mas para não me perder mais, vou recitando cada verso meu que escrevo nas linhas da mão, para decorar e não esquecer, para não ter razão, para decorar apenas, de coração a alma.