segunda-feira, 25 de janeiro de 2010

A vida se imortaliza no filho

A vida se imortaliza no filho. No filho gerado do sangue e das emoções mais íntimas. No filho que olha para o pai e se reconhece nesse olhar, como se o para-sempre passasse a existir desde esse momento. No filho que é capaz de entender que veio do amor e para o amor se fez. No filho que agradece simplesmente por que pode olhar a vida por seus próprios olhos, numa herança que não tem tamanho nem pode ser retida, e cuja moldura em sua retina é a presença de quem veio antes.

A vida não se perdeu porque se foi. A vida permanece linda e sonhadora no peito de todos que se abraçaram em sua fonte. E, na fonte da alegria e jovialidade, moram a compreensão e a amorosidade, tudo que eterniza o momento, eterniza os laços, torna terno e eterno cada dia passado junto, ou passado longe, ou passado conjunto. Não morre nunca aquele que abraça a vida acima de tudo, que ama acima de tudo e que cria um mar profundo nesse seu abraço onde tantos outros podem navegar.

Sim, a vida se fortalece naqueles que se presenteiam para os que lhe rodeiam, a generosidade da entrega que não pede nada em troca. Não pede retribuição, não pede reconhecimento, não pede nada mesmo. A entrega que circula nas veias alimentando as células do corpo todo apenas porque o coração bate, o sangue que aquece os sorrisos, aquece a lembrança, aquece ainda que um vazio repentino tenha se feito, porque o vazio é um abstrato mental, não existe de verdade.

Ah, a vida que não se apaga quando a noite vem, nem quando amanhece chovendo, nem quando esfria lá fora, porque dentro, aqui dentro, profundo e enraizado como a alma mesma, aqui o sol do amor inquebrantável se fez no momento do primeiro sopro, quando deus, invisível pelas mãos e emoções de quem gerou, soprou o alento infindável da confiança e do amor. O amor é o grande antídoto para a morte, porque não há fim onde o amor se fez.

sábado, 23 de janeiro de 2010

Amanhã não vou te querer

Amanhã não vou te querer. Eu te quero hoje. Hoje à noite não vou te querer. Eu te quero agora. Nesse instante que passa líquido deslizando por mim, quero tua pele macia recostada e quente na minha pele que te quer agora. O mundo que pode ser amanhã, logo mais, não importa.

Meu amor se esparrama pela cama numa procura calma e tranqüila do teu corpo que me espera enrodilhado de preguiça. Eis o que quero agora. Nada mais. A eternidade de um amor romântico ou o prazer inteiro de um instante? Meus instantes nos teus olhos não passam, não passam como se o passado deixasse de existir, como se o futuro deixasse de existir. O tempo do meu amor por você é esse tempo presente em que olho teu sorriso, mordo teu olhar criança, aperto tua mão na minha forte, forte e tão forte que te machuco. Então, a vida flui pelas minhas veias bombeada por um coração recompensado.

Agora tenho um coração amassado pelo seu peso que é leve e perfumado, que bate ritmado só para ver você dançar bonito e só para alegrar o dia que nasce. Todo dia nasce um novo dia. Todo dia milhões de células do meu corpo se despegam e se vão na água do chuveiro, na água que engulo porque minha garganta está seca, e vou me mudando aos poucos, renovando como o dia a promessa de ser outra, quem sabe melhor, quem sabe mais leve, mas outra. Quem sou agora te ama como nunca.

A manhã já abriu sol, já fechou, já prometeu azul, agora cinza, já correu alegre na corredeira do rio, já se turvou no vento pelas folhas das árvores. Tudo em contínua mudança me faz nascerem flores no peito. Flores como as que te dou e recebo, perfumadas, amarelas, azuis, brancas, com abelhas, lambidas pelo beija-flor talvez, sem abelhas, movidas pela vida que flui em torno. Ao som dos pássaros que toda manhã, renovada mesmo assim, vêm cantar na minha janela, acompanho o amanhecer calmo.

Essa calma de agora reflete o tom do meu desejo. Sei que ele é teu e não me pertence. Sei que novos amanheceres sobrevirão a esse, com chuva ou sem, com vento ou sem, e esse vai e vem suave me reconforta e diz que posso confiar no para sempre. Sempre acaba o para sempre. Como acaba o reinado do néctar na flor antes de virar mel. O doce se sobrepõe ao doce. Outro doce, sem tempo porque o tempo que começa e termina é o tempo contado para fora. Não é o tempo que fica nas retinas, na pele dos dedos, na ponta da língua.

Para o amanhecer que já vai longe, abro meus braços e espero o abraço certo. Abro meu peito para o encontro dos corações que se amam. Abro um sorriso também. Agora que te amo, sei que nasci de novo. E sei que acertei o passo com vida.

domingo, 17 de janeiro de 2010

Encantamentos

Todo mundo já foi pego por um encantamento. Tem quem já viu lobisomem, outros acharam que viram velhinhos de chapéu no banco de trás do carro. Mas também tem aqueles encantamentos que encantam para o resto da vida. O canto da Iara, a boca de Iracema, a independência de Capitu.
Quando fui encantada – e sinto isso até hoje – fui fisgada por um olhar que parecia passear até aquele momento, então, virou-se para mim como um caminhão no escuro, os faróis acesos me ofuscando. Fiquei parada, esperando o que poderia ser meu último encontro profundo. Era Iracema. Vinha calma e senhora de si. E foi doce comigo, seus lábios de mel me atraindo. Às vezes foi medrosa como uma virgem que se entrega, tremendo e gostando, às vezes foi intensa como quem sabe o que quer e sabe como conseguir.
Eu, abelha africanizada, não-domesticada desde que nasci, encantada por um olhar que seduz e captura mais que néctar, mais que o perfume das flores, presa de minha própria natureza em não negar um beijo ao doce que pode se tornar minha vida.
Gosto de doce, mas sem excesso. O doce enjoa, sacia rápido demais, provoca um vazio difícil de segurar, o peito exposto demais, vulnerável como pele ao fogo. Iracema, que enfeitiça e atiça, foge pela noite me deixando perdida, no escuro, atrelada na corda mesma que me amarrei e cuja ponta solta pende no precipício à beira do qual me encontro.
Mas um encantamento é um encantamento. Para me livrar dele terei que me esforçar muito. Terei que desacreditar muito. Eu, justo eu, que acredito tanto. Que quero tanto continuar acreditando. Eu, que me lancei no vôo antes mesmo de saber se tinha pára-quedas, se havia rede em baixo, se estava pronta. Eu nunca penso quando o que está em jogo é o que quero. Porque para mim não tem substituto ao que quero. Não tem nada que possa me satisfazer senão a satisfação do meu desejo. Firme como montanha, instável como a pedra que rola no rio. Em parte sabendo o que quero, em parte negociando prazos.
Gosto de Capitu e das dúvidas que ela propõe. Mas confio nela. Se ela me trai, jamais saberei, não importa agora. Suas dúvidas são minhas dúvidas. Encantamentos à parte, não me basta somente Iracema, seu olhar de flor e seu beijo de néctar, não é suficiente ter ciúme de Capitu, independente, arguta, inteligente. Melhor juntá-las numa única, amar as duas, querer as duas e ser delas separadamente. Assim meu amor não se cansa nunca e no encantado da hora vamos indo pelo caminho que se ilumina.

Um sonho é um sonho é um sonho

Um sonho é um sonho é um sonho. Por um dia pensei que sonhos se realizassem. E melhor ainda, que sonhos não sonhados se realizassem. Só porque nesse dia acreditei em deus. Eu nunca tinha falado com ele, é verdade. Nunca tinha tido sequer um colóquio ao pé da cama. E eis que me encontro ao pé da cama em conversa paralela, sonhando com aquilo que apenas vislumbrei sem desejar, que me pareceu como uma promessa – de quem? Por quê? – e que era apenas uma nuvem desenhando formas num céu azul.
Eu amo o etéreo, senhor. Amo a forma que a nuvem faz no céu, uma brincadeira de elfos, do vento, todos que agem para o senhor. Todos filhos do mesmo senhor. Eu, que não falava com deus, não creio no mal, num mal que age pelas pessoas, ou que investe contra o que deus criou. Seria como acreditar que um filho não ama um pai, mesmo que não o conheça, mesmo que não seja o que gostaria que fosse.
O amor entre pessoas, o amor que completa, que investe, que liberta – ah, a liberdade de ser sem amarras, sem fronteiras – esse amor não tem outro sentido senão provar que deus existe. Existe pela transparência do olhar. Existe pela alegria da pele macia, do toque relaxado, da comida viva. O amor é um sonho que não precisa ser sonhado antes. Que não precisa de plano estratégico. Que não precisa ter sentido. Que sentido teria o amor? É para alguma finalidade, o amor? Não. Veio e volta a deus como o ar que respiro, como tudo que há. Como toda beleza, toda alegria.
Estou quase triste e a tristeza não é divina, bem sei. Ela é humana como as fraquezas próprias da carne. Humana e corrosiva. A tristeza é um mal que está aí para lembrar que deus existe. Quem mais para salvar da tristeza um coração que vislumbrou o clarão divino num olhar que passava? Sim, o olhar que passava era divino e capturou meu coração com seu anzol de carinho. Capturou-me, senhor, para quê? Apenas para satisfazer um capricho? Ou porque era para seguir acreditando como sempre, porque se deus existe numa fração de segundo de uma vida inteira então é porque ele sempre esteve lá, sempre estará.
Eu quero acreditar que a tristeza que me ocorre agora é apenas minha imaturidade querendo crescer, sair de casa, tornar-se autônoma, livre de mim. Pois que vá. Hoje eu quero apenas o que me dá alegria. Apenas o que pode ser inteiro, mesmo que ainda não seja. A promessa é um teste para a fé.
Eu quero viver a experiência direta de haver deus no universo só porque posso acordar e sonhar. Não vou desistir de sonhar, nem de me alegrar com todos os lugares comuns, cartões postais, que a janela aberta – já abri irreversivelmente – me traz. Mesmo à noite, mesmo sozinha na cama, ao pé da cama, na minha primeira conversa com deus. Se tudo vem dele, hoje estou voltando um pouco para seus braços que acolhe. Acolhe sim, e então sei que não estou sozinha.

terça-feira, 12 de janeiro de 2010

Seria Melhor

Seria melhor, talvez, ser como o rio que passa correndo, sem nunca ficar. Amar como os marinheiros que partem. Ser como o vento que toca tudo e vai deixando seu rastro no movimento das árvores.
Hoje não chove e no meio do azul azul azul e nuvens, pássaros que não se agüentam de felicidade, em vôos alucinantes, fazem uma serenata matutina na minha janela.
A alegria do dia transborda por mim. E eu me deixo ser esse meio entre haver felicidade e sonhar com ela. Deixo que esse dia faça o encontro entre o que nunca sonhora nem nos meus sonhos mais delirantes com a realidade que sabe ser doce e meiga quando quer surpreender.
Logo ali, depois da montanha, tem um vale e depois ainda tem um mar que deve se abrir sem fim na união perfeita de azuis. Daqui ouço o ritmo espumante de suas águas claras batendo nas encostas e sinto a umidade da maresia na pele exposta.
Não sou uma árvore plantada fincando raízes eternas em lugar algum, nem sou o vento que passa frio. Minha vida não parou para te esperar, nem me esperar. Por isso esses encontros de rio de corredeira marcados nas cachoeiras um minuto antes da queda vertiginosa, esses encontros carregados de toda emoção do caminho me fazem quase gritar no meio da praça pública, mas ela não inaugurou ainda.
Enquanto tudo isso passa pela janela aberta, vou ficando, ficando a mão eternamente estendida à espera da tua. Quando enfim puder tocar seus dedos nos meus, vou entrelaçá-los como farei com seu corpo para que fique no meu e eu puder passar como o rio, partir como o vento, você em mim e eu o oceano.