domingo, 17 de janeiro de 2010

Encantamentos

Todo mundo já foi pego por um encantamento. Tem quem já viu lobisomem, outros acharam que viram velhinhos de chapéu no banco de trás do carro. Mas também tem aqueles encantamentos que encantam para o resto da vida. O canto da Iara, a boca de Iracema, a independência de Capitu.
Quando fui encantada – e sinto isso até hoje – fui fisgada por um olhar que parecia passear até aquele momento, então, virou-se para mim como um caminhão no escuro, os faróis acesos me ofuscando. Fiquei parada, esperando o que poderia ser meu último encontro profundo. Era Iracema. Vinha calma e senhora de si. E foi doce comigo, seus lábios de mel me atraindo. Às vezes foi medrosa como uma virgem que se entrega, tremendo e gostando, às vezes foi intensa como quem sabe o que quer e sabe como conseguir.
Eu, abelha africanizada, não-domesticada desde que nasci, encantada por um olhar que seduz e captura mais que néctar, mais que o perfume das flores, presa de minha própria natureza em não negar um beijo ao doce que pode se tornar minha vida.
Gosto de doce, mas sem excesso. O doce enjoa, sacia rápido demais, provoca um vazio difícil de segurar, o peito exposto demais, vulnerável como pele ao fogo. Iracema, que enfeitiça e atiça, foge pela noite me deixando perdida, no escuro, atrelada na corda mesma que me amarrei e cuja ponta solta pende no precipício à beira do qual me encontro.
Mas um encantamento é um encantamento. Para me livrar dele terei que me esforçar muito. Terei que desacreditar muito. Eu, justo eu, que acredito tanto. Que quero tanto continuar acreditando. Eu, que me lancei no vôo antes mesmo de saber se tinha pára-quedas, se havia rede em baixo, se estava pronta. Eu nunca penso quando o que está em jogo é o que quero. Porque para mim não tem substituto ao que quero. Não tem nada que possa me satisfazer senão a satisfação do meu desejo. Firme como montanha, instável como a pedra que rola no rio. Em parte sabendo o que quero, em parte negociando prazos.
Gosto de Capitu e das dúvidas que ela propõe. Mas confio nela. Se ela me trai, jamais saberei, não importa agora. Suas dúvidas são minhas dúvidas. Encantamentos à parte, não me basta somente Iracema, seu olhar de flor e seu beijo de néctar, não é suficiente ter ciúme de Capitu, independente, arguta, inteligente. Melhor juntá-las numa única, amar as duas, querer as duas e ser delas separadamente. Assim meu amor não se cansa nunca e no encantado da hora vamos indo pelo caminho que se ilumina.

Um comentário: