- gosto de ficar em silêncio com você.
- sim, eu também te amo.
- gosto de ficar em silêncio com você e poder deitar meu
olhar no seu olhar quase timidamente, quase naturalmente, como quem apenas
respira, como se a vida pudesse ser eternamente esse olhar você tão próximo que
é tocar um violão.
- a música, eu queria dançar.
- piano de calda, flauta transversal no tempo e a nota
musical dançando no seu sorriso que não desmonta, que permanece mesmo depois
que acabou o motivo, que fica no gosto, na língua mesmo depois de engolir.
Sorriso que fica no meu olhar como um toque delicado, um sorriso que faz um
sorriso em mim.
- (o olhar perdido, meio bobo, sorrindo)
- eu me divirto com você. É como se toda a vida que houvesse
para viver fosse uma constante pintura de um quadro, uma janela em vitral
refletindo para dentro a luz que há lá fora. Eu, que vivo o tempo todo num
movimento interior tremendo, me perdendo em pensamentos e ideias, ouvindo o
mundo inteiro falar que preciso acontecer, eu aconteço ao lado seu, no silêncio
recôndito e tácito de nossos encontros. Eu, que prefiro o explícito, aceito o
tácito e sigo em frente, o amor possível. Seu lábio estático, perplexo e à
beira me comove. E num relâmpago vejo a vida toda que há por viver passar por
meus olhos no brilho de seu sorriso.
- (um gole de café amargo) eu me lembro bem, me lembro
perfeitamente.
- existe um lugar assim? No mundo? Um lugar que possa nos
deixar ser apenas uma passagem, uma janela de trem, uma vista panorâmica de
praia espraiada e distante onde o mar demora a chegar, mas chega? Podemos fazer
desse lugar o lugar do nosso amor? Que cresçam flores teimosas e amarelas, que
corram águas tardias, cristalinas em pedras roliças? Podemos transformar essa
montanha num bosque de cheiros diversos, com bromélias escondidas brotando
rosadas inesperadamente? Você quererá mudar o ritmo da sua vida para caber
nessa paisagem? Ou eu quererei mudar a dança que danço perfeitamente para
aprender os seus passos? Mas podemos continuar seguindo, cada um ao seu tempo,
cada um o seu rumo, eu na montanha dos meus sonhos, você nas estradas que te
sugerem, pousando, de vez em outra, o olhar no mesmo olhar, e no silêncio.
- sim, sim e sim. Posso ver como está ficando, o retrato? Nossa,
essa sou eu!