Todo conhecimento do mundo já está aí. Tudo que já foi
pensado, descoberto, refletido. E tudo que ainda será pensado, descoberto e
refletido já está também. Alcanço com a mão esquerda. Balanço com o pé
suspenso. As verdades provisórias, as verdades definitivas. Um saber que
interrompe todos os outros e o saber que se recupera do exílio. Os cálculos das
pirâmides do Egito, os senos e cossenos dos monumentos maias, todos os
mistérios, todos os ocultos, todos os sentidos e significados do mundo, tudo. É
só saber ouvir.
A mente faz muito barulho e quase não posso ouvir o sem-som
do saber. Um sonho tenta dizer. O espírito tenta dançar com gestos de folha de
bananeira ou o olhar de um gato. O todo respira junto. E inspira.
Muitas vezes no recôndito das entranhas – quem poderia
suspeitar – há um sinal. Revolve-se por dentro, não chega a ser dor, é um
sentir por dentro, e está lá. Uma clareza súbita, uma lembrança de sempre, uma
certeza sem causa. Está lá. Você, que acabou de acordar, acabou de entender o
seu nome. Nunca antes havia pensado nisso e pronto. Uma resposta para pergunta
nenhuma. Uma saída e você nem sabia que estava preso. Uma estrela guia, um
portal, marcas nas linhas da mão, um ato falho, cartas de um baralho. Qualquer coisa
e tudo muda.
Não basta estar ligado, tem que estar preparado também. Equipado.
Antenado. O que sei da vida? Nada. O que sei da minha vida? O que vivi. Por isso
vivi. Passei pela ponte antes que ela ruísse. Saí da casa antes que chegasse o
dono. Morri tantas mortes que assim sim a vida me passou a ser percebida. Por cada
porta, uma certeza de onde. A cada luto, uma nova luz. Morri para quem fui. Morri
dores insuportáveis suportadas a cada vez. E renasci criança feliz. Até que aprendi
a ceder, a aceitar, a me dar sem pesar, sem pesar em ninguém. Agora, alegrias
insuspeitas.
Então, como um presente encontrado no quintal, descortina-se-á
a confiança no deus, no gesto, no eu. Confiar é sorrir por nada. Vai tocar sua
música em todas as músicas tocadas. Vai afinar sua alma em todas as almas à sua
volta. Você tão grande que não precisará pedir desculpas pelo espaço que ocupa.
E depois de tudo, silêncio. Silenciar o gesto, o lábio, o cérebro. Fazer até
mesmo o coração bater mais quietinho. Tranquilo.
Sim, saber é confiar. Cofiar. Tecer junto. Passar o fio
horizontal pelas linhas verticais costurando o que sabe com o que não sabe, o
que vê com o que não vê. Palavras de letras embaralhadas caídas do bornal em
pleno campo arado. O que vai nascer no canteiro? Vai nascer? Nasce. Cresce. E voa.
Raízes de pernas para o ar. Folhas secas caindo com a chuva, levadas na
enxurrada. Em cada uma, gravado, seu nome. Um recado para quem você será quando
não houver mais quem você é hoje. Escrito no alheio, sua sina boia pela
corredeira que leva tudo, folhas secas, galhos secos, olhos secos. O que é seco
sempre boia.
Mas agora chove, por deus, chove. E a chuva umedece e faz
flexionar os joelhos, escorrer o peito, os cabelos grudados no rosto, o frio
bom de ar novo, fome que comer não sacia. Lágrimas salgadas que temperam o
riso, porque de agora em diante, apenas lágrimas de alegria. O riso ensina mais
que a dor. As dores levadas pela correnteza, lavadas na saliva. Assim, sem
mais, subvertendo o sentido da pele, a dor se deixa contaminar pela vontade e
se extingue. Saber acaba com a dor, acaba com a história, acaba com o segredo. Meu
segredo agora é esse: rir. De tudo. Porque rir me suporta. E me suplanta. E rir
é saber ouvir o som da vida.
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