Se um Novíssimo Testamento fosse escrito agora no século 21,
certamente teria uma frase assim: “crescei e diverti-vos”, porque não há mais
espaço para sofrimento. Não há espaço para os que vivem de fazer sofrer. Pessoas
que massacram outras, como se lidassem com objetos. Pessoas que não refletem
sobre suas condições e as de seus dominados, submissos, dependentes. Existe um
submundo imenso por trás da humanidade civilizada. Nada mais de
“multiplicai-vos”, porque se a soma simples já faz muita pressão, a
multiplicação faz mais estragos. Tantos são os que não têm nada, que não têm
onde, que não têm por quê...
A diversão faz de todas as pessoas humanas. Rir, umas das
outras, ou delas mesmas, rir soltas e desenganadas. Rir como se tivessem motivo
para rir. Rir alto, rir por nada, rir à toa. A dor, ao contrário, não é humana.
Não é aceitável. Não deveria ser permitida. Já basta de crianças sem teto ou
cuidados. De crianças culpadas, tristes, sem saída. De adultos que aceitam a
violência como se não tivessem opção. Adultos que se violentam diariamente,
porque acreditam que assim seja.
A luz, a verdadeira luz será feita uma roupa que vestirá
todas as pessoas do mundo. Vestirá e
aquecerá seus corações. E tudo que não sabemos hoje sobre a dor e o sofrimento
será uma página virada na existência humana.
Eu não sei tanta coisa. Não sei o que é dor nem o porquê.
Não sei por que sofrer, e por que pessoas sofrem tanto. Por que umas às outras
se sobrepõem, e por que umas usam outras como se fossem coisas, como se não
fossem como todos: carne e sangue e vida. Por que destruir o que não concorda,
e por que negar o que não é seu.
Eu não sei por que a indiferença. A indiferença disfarçada
de independência, de superioridade, de ignorância. A indiferença como se
sensibilidade fosse uma fraqueza. E todas as lágrimas do mundo vertidas pela
dor de haver homens que massacram homens, todas as lágrimas perdidas, roubadas,
todas e todas que marcaram as faces sofridas – verdadeiramente sofridas – não
podem ser inúteis, invisíveis.
Não. Não falo de dores de amores vãos, de ter perdido alguém
ou de ter sido abandonado. Nada de lágrimas românticas, sensíveis pela
ausência, pela traição, pela demora, pelo fim. Falo de dores reais. De
sofrimentos reais. De pessoas que crescem sem pais, sem tempo de se
traumatizarem. De pessoas abandonadas pela morte, quando morrer teria sido a
melhor saída. Da fome, fome visceral, enraigada como um tumor, de olhos que já
não vêm, perplexos. De bocas abertas sem grito.
Nessa edição mais nova do Testamento, os anjos só vão dizer
amém para as dores no peito, dores de saudade, aflição de mãe, choro de criança
que comeu demais. Só serão permitidos os gemidos de amor, as angústias das
dúvidas existenciais, a mão estendida à espera. A miséria terá sido erradicada
para o inferno. E o inferno passará a estrela cadente, num horizonte
improvável, distante, perdido. Todo o amor será reconhecido até nos gestos mais
delicados, mais tímidos. Toda a paz será semeada pelo vento da confiança. E confiar
será o primeiro gesto do adulto que anda por si só, mantido desde criança.
Eu só acredito no Testamento que deixa alegria para todos os
que ficam.