Tem um
momento que o silêncio pede a palavra. Como água em cano entupido. E todas as
certezas repentinamente se esvão. Toda a clareza de um minuto vira a página de
um livro sem título, sem índice. A vida não tem índice. Menos ainda o silêncio.
O voo paralisado
no meio. A nuvem eternamente parada, o vento - onde foi? – desajeitando as
copas das árvores, muito lá embaixo. A respiração segura no peito quieto. Todos
os movimentos dos dedos na profusão das letras. Fumaça. Paisagem embaçada na
janela.
Então, parece
que o momento é de descer a montanha. Descer devagar, descer escorregando um
pouco, o pé fragilizado pelo peso do corpo. Tem um momento que até o pé parece
não ter sido feito para aquele corpo. Descer flexionando o joelho, o olhar. Fim
de tarde. A luz difusa, esguia. Nenhum sentimento no peito, nenhuma lembrança,
nenhum tocar a lágrima querendo descer. Qual o motivo?
Tem um
momento que não há mais motivos. Todos os fins foram eliminados. Todas as
frases por acabar, todas as nuances. Não há mais palavra. E o som, único a se
escutar ao longe, o arfar fraco e sibilante da respiração contida.
Não sobrou
nada. Ou quase nada. De todas as palavras ditas a quase perder o fôlego. De
todas as promessas, de todos os olhares perdidos no horizonte.
Nada. Talvez uma
cicatriz no meio de algum sentido. Talvez um arranhado na superfície branda. Ou
quase. Quase atingindo o orgasmo. Quase gritando ensandecido. Quase tocando as
estrelas, o azul do céu, o fundo do mar.
E o silêncio
reticente. Difícil de conviver. Impossível de dormir. A lenha queimando lenta
enquanto aquece a água do chá. E os fantasmas esperando pelo aroma profundo da
erva se dissolvendo em vermelho. Goles de adeus. Mas bastava apenas um.
Basta um adeus para que a noite não amanheça
nunca mais, ou o rio nunca mais atinja o mar. A queda livre, interminável, no
grito que não sai da garganta. Um adeus, simples ou completo, na hora do café
ou com música ao vivo, viola caipira, praça pública com conexão virtual, maçã
com canela, transe hipnótico, violetas na lapela. Seja lá como for, seja lá
quando for (porque um dia será), o adeus que paralisa o gesto no meio da rua.
Por ora, o
silêncio. O silêncio que engole. E preenche todos os espaços que houvera. Todos
os espasmos. Aquele momento que a vida é profunda, como um mergulho em apneia,
quando o movimento é pouco, pequeno e denso. O coração, suave, desapercebido. A
respiração quieta. Contrastes e brilhos desconexos. Intenso. Como o mar que parece
um calmo refúgio no horizonte. O possível e o impossível na distância de um
olhar. O olhar, sem palavra, que vê findar o dia até não ver mais nada.
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