sexta-feira, 14 de novembro de 2014

O silêncio me engoliu

Tem um momento que o silêncio pede a palavra. Como água em cano entupido. E todas as certezas repentinamente se esvão. Toda a clareza de um minuto vira a página de um livro sem título, sem índice. A vida não tem índice. Menos ainda o silêncio.

O voo paralisado no meio. A nuvem eternamente parada, o vento - onde foi? – desajeitando as copas das árvores, muito lá embaixo. A respiração segura no peito quieto. Todos os movimentos dos dedos na profusão das letras. Fumaça. Paisagem embaçada na janela.

Então, parece que o momento é de descer a montanha. Descer devagar, descer escorregando um pouco, o pé fragilizado pelo peso do corpo. Tem um momento que até o pé parece não ter sido feito para aquele corpo. Descer flexionando o joelho, o olhar. Fim de tarde. A luz difusa, esguia. Nenhum sentimento no peito, nenhuma lembrança, nenhum tocar a lágrima querendo descer. Qual o motivo?

Tem um momento que não há mais motivos. Todos os fins foram eliminados. Todas as frases por acabar, todas as nuances. Não há mais palavra. E o som, único a se escutar ao longe, o arfar fraco e sibilante da respiração contida.

Não sobrou nada. Ou quase nada. De todas as palavras ditas a quase perder o fôlego. De todas as promessas, de todos os olhares perdidos no horizonte. 
Nada. Talvez uma cicatriz no meio de algum sentido. Talvez um arranhado na superfície branda. Ou quase. Quase atingindo o orgasmo. Quase gritando ensandecido. Quase tocando as estrelas, o azul do céu, o fundo do mar.

E o silêncio reticente. Difícil de conviver. Impossível de dormir. A lenha queimando lenta enquanto aquece a água do chá. E os fantasmas esperando pelo aroma profundo da erva se dissolvendo em vermelho. Goles de adeus. Mas bastava apenas um.

Basta um adeus para que a noite não amanheça nunca mais, ou o rio nunca mais atinja o mar. A queda livre, interminável, no grito que não sai da garganta. Um adeus, simples ou completo, na hora do café ou com música ao vivo, viola caipira, praça pública com conexão virtual, maçã com canela, transe hipnótico, violetas na lapela. Seja lá como for, seja lá quando for (porque um dia será), o adeus que paralisa o gesto no meio da rua.


Por ora, o silêncio. O silêncio que engole. E preenche todos os espaços que houvera. Todos os espasmos. Aquele momento que a vida é profunda, como um mergulho em apneia, quando o movimento é pouco, pequeno e denso. O coração, suave, desapercebido. A respiração quieta. Contrastes e brilhos desconexos. Intenso. Como o mar que parece um calmo refúgio no horizonte. O possível e o impossível na distância de um olhar. O olhar, sem palavra, que vê findar o dia até não ver mais nada.

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