domingo, 23 de novembro de 2014

O silêncio repleto de sinais



O silêncio repleto de sinais, gestos e movimentos de olhos. Silêncio somente de palavras. Talvez a energia do dia enervada pela falta de chuva. Chuva para molhar o pensamento um pouco. Chuva para ensopar o pó, fazer lama, escorregar, sujar. Tudo muito limpo como o silêncio. Limpo e seco e pó. O pó empana o brilho do dia. E falta vento e falta brisa para revirar as páginas do livro aberto e por escrever. 

A chuva, se viesse, faria barulho no telhado, nas folhas das árvores, no lá fora que precisa tanto de água. A minha calma não. Ela se limita a movimentar a cadeira de balanço com o olhar pela sacada dos fundos. O olhar em viés. Retrô. Olhar na história que se descortina, repassa. 

Enquanto isso, o azul se perturba de nuvem e névoa branca, como se prometesse e não cumprisse, como se alentasse e abandonasse. A vida pode ser colorida, preta e branca e pode ser assim, amarelenta e azul de nuvem passando. Simplicidade fingida. Sem pássaros para barulhar o sol no centro do céu. A hora em que ninguém se atreve a levantar o braço e fazer pergunta. Ninguém para sobrevoar senão nuvem seca.

Ainda assim, a vida se refastela porque não sabe o que é bom e o que é ruim. A vida come a vida. E morre também. Entre uma coisa e outra, o tempo passa. As pessoas passam. O olhar, a palavra falada, o gosto na boca passa. Vai ficar? Só se for para o café, porque o resto já foi. A vida escorre como o vapor na tampa da panela. E enquanto passa, vai mudando de quando em quando, fazendo crer que é outro. 

Você passa de uma pessoa para outra, no trabalho, em casa ou na escola. Vai trocando de papéis como o ator que lê scripts diferentes em palcos diferentes. E quando, numa dessas cenas, o toque dos dedos encontra outra pele, outro toque, outros olhares se trocam, quando a peça recomeça, mesmos personagens com atores diferentes, então, tudo pode ser diferente. E a chuva cai, e o vento sopra, e o mundo muda.

O olhar muda o mundo. Pode ser feio ou bonito. Pode ser doce ou amargo. Pode ser colorido ou amarelado. O olhar faz do mundo um novo lugar a cada piscar com vontade. Todo dia morrendo, a cada dia outras células ocupando os mesmos lugares, e o mesmo olho num novo olhar. Dá para mudar também a própria vida. Encher de dentes o sorriso largo e deixar que todos vejam: sua alegria, sua energia, seu enviver de novo.

Refazer-se é sempre possível. O músculo pronto para responder. Todo coração sabe recomeçar, seja de que ponto for. Sabe bombear para subir ou para descer o sangue, o rumo não interessa tanto. E, não bastasse o coração para fazer mover a vida no interior – a vida há em tantas formas que não têm sequer coração – outro impulso, mais vibrante ainda, que é apaixonar-se coloca inevitavelmente tudo em movimento.

Dá para se apaixonar mesmo quando chove muito, sem parar, e você fica em casa prisioneiro. Dá para se apaixonar muito só de querer. O querer verdadeiro e espontâneo de uma alma inquieta. A alma, esse barco a vela em mar revolto, quer a paixão. Pode vir a calmaria, e o silêncio pode chegar, pode baixar a pressão, ou pode estar longe, o porto e o farol. Não importa. A alma ultrapassa o tédio cotidiano de haver um dia após o outro para atingir a paixão. E assim, a vida continua.

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