O silêncio repleto de sinais, gestos e movimentos de olhos.
Silêncio somente de palavras. Talvez a energia do dia enervada pela falta de
chuva. Chuva para molhar o pensamento um pouco. Chuva para ensopar o pó, fazer
lama, escorregar, sujar. Tudo muito limpo como o silêncio. Limpo e seco e pó. O
pó empana o brilho do dia. E falta vento e falta brisa para revirar as páginas
do livro aberto e por escrever.
A chuva, se viesse, faria barulho no telhado, nas folhas das
árvores, no lá fora que precisa tanto de água. A minha calma não. Ela se limita
a movimentar a cadeira de balanço com o olhar pela sacada dos fundos. O olhar
em viés. Retrô. Olhar na história que se descortina, repassa.
Enquanto isso, o azul se perturba de nuvem e névoa branca,
como se prometesse e não cumprisse, como se alentasse e abandonasse. A vida
pode ser colorida, preta e branca e pode ser assim, amarelenta e azul de nuvem
passando. Simplicidade fingida. Sem pássaros para barulhar o sol no centro do
céu. A hora em que ninguém se atreve a levantar o braço e fazer pergunta.
Ninguém para sobrevoar senão nuvem seca.
Ainda assim, a vida se refastela porque não sabe o que é bom
e o que é ruim. A vida come a vida. E morre também. Entre uma coisa e outra, o
tempo passa. As pessoas passam. O olhar, a palavra falada, o gosto na boca
passa. Vai ficar? Só se for para o café, porque o resto já foi. A vida escorre
como o vapor na tampa da panela. E enquanto passa, vai mudando de quando em
quando, fazendo crer que é outro.
Você passa de uma pessoa para outra, no trabalho, em casa ou
na escola. Vai trocando de papéis como o ator que lê scripts diferentes em
palcos diferentes. E quando, numa dessas cenas, o toque dos dedos encontra
outra pele, outro toque, outros olhares se trocam, quando a peça recomeça, mesmos
personagens com atores diferentes, então, tudo pode ser diferente. E a chuva
cai, e o vento sopra, e o mundo muda.
O olhar muda o mundo. Pode ser feio ou bonito. Pode ser doce
ou amargo. Pode ser colorido ou amarelado. O olhar faz do mundo um novo lugar a
cada piscar com vontade. Todo dia morrendo, a cada dia outras células ocupando
os mesmos lugares, e o mesmo olho num novo olhar. Dá para mudar também a
própria vida. Encher de dentes o sorriso largo e deixar que todos vejam: sua
alegria, sua energia, seu enviver de novo.
Refazer-se é sempre possível. O músculo pronto para
responder. Todo coração sabe recomeçar, seja de que ponto for. Sabe bombear
para subir ou para descer o sangue, o rumo não interessa tanto. E, não bastasse
o coração para fazer mover a vida no interior – a vida há em tantas formas que
não têm sequer coração – outro impulso, mais vibrante ainda, que é apaixonar-se
coloca inevitavelmente tudo em movimento.
Dá para se apaixonar mesmo quando chove muito, sem parar, e
você fica em casa prisioneiro. Dá para se apaixonar muito só de querer. O
querer verdadeiro e espontâneo de uma alma inquieta. A alma, esse barco a vela
em mar revolto, quer a paixão. Pode vir a calmaria, e o silêncio pode chegar,
pode baixar a pressão, ou pode estar longe, o porto e o farol. Não importa. A
alma ultrapassa o tédio cotidiano de haver um dia após o outro para atingir a
paixão. E assim, a vida continua.
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