segunda-feira, 26 de junho de 2017

Não somos dissidentes

Nós não somos dissidentes, não somos fugitivos, não somos banidos. Viemos porque quisemos. Saímos porque escolhemos. Não somos uma seita. Cada qual com suas crenças, mas não queremos salvar ninguém. E, ainda que sejamos muitos, não somos uma multidão. A atitude nos guia e nos direciona o coração. Não temos a verdade, não sabemos o que é certo, não somos ovelhas nem tão pouco pastores. O que nos une: retomar para nossas mãos o nosso tempo.

Queremos definir o que é realmente imprescindível e o que é prioritário para nossas vidas, não como bem comum, mas como algo comum, ordinário, natural e cotidiano. Buscamos um novo significado para a vida, sobretudo, o significado agora. Acreditamos que o significado esteja além do plano, além do significante, mas que necessariamente dependa da consciência de cada um na sua trajetória. Assim, não perdemos tempo: somos o tempo.

Passo a passo, paulatinamente, vamos construindo uma vida que seja ela mesma o tempo e a atitude, o movimento e o espaço percorrido. Deixamos a aceleração de lado porque deixamos de correr. Onde estamos é onde está a vida, não estamos tentando chegar a lugar algum: já chegamos.

E, ainda que nada tenha mudado realmente em nossas rotinas, uns acordando cedo, outros amanhecendo com sol a pino, uns comendo tudo, outros nem tanto, de carro, a pé ou a cavalo, sozinhos ou acompanhados, trocamos o urbano pelo rural. Trocamos a eficiência pela solidariedade. Trocamos a paisagem, mas antes foi nosso olhar que mudou. Mudamos o ritmo externo para combinar com o batimento do coração. Refizemos nossas rotas individuais como quem passa o pente no cabelo desalinhado, como quem penteia o pensamento desgrenhado, como quem descobre que estava dormindo debaixo da cama.

Não queremos inventar nada, criar uma nova filosofia, um novo modo de ser, uma moda. Apenas nos comprometemos com a felicidade, a alegria do momento vivido. Viramos a chave: nosso norte é a prosperidade e ela não vem sozinha. Pode haver riqueza onde há miséria, e pode haver muita distância entre uma e outra, mas a prosperidade é contagiante. Ela unifica sem se perder, ela espalha, transborda, pacifica. A prosperidade é um horizonte permeável.

Assim, quando demos um passo na nossa direção, cada um a sua, nos tornamos o tempo, a prosperidade e a vida que queremos levar. Fale com um ou outro de nós e receberá uma resposta diferente, com propósitos próprios, motivos diversos. Mas nossos princípios são os mesmos. Sabemos que o entorno é delicado e somos ex-combatentes. Sabemos que pisamos em ovos, nós que já fomos tratores. Hoje queremos apenas trazer uma flor no peito sem, no entanto, fazê-la murchar com nosso calor. Aqui, fazendo de nossos talentos um modo de nos fortalecer, vamos construindo um novo agora.


Nós bebemos e dançamos como fazem todas as pessoas, e expressamos nosso intento como quem come um sonho macio e recheado: com cuidado, sem perder nada do creme que escorre. Declaramos nossas intenções olhando para o gesto, um pouco falando para o vento, um pouco derramando no chão. Existe uma generosidade espontânea em aceitar que nem tudo sai como queremos. Porque sim, se o universo conspira a favor, uma coisa é certa: ele não lê pensamentos. 

domingo, 4 de junho de 2017

A liberdade como caminho

Certa vez ouvi um amigo ridicularizando o ato de pensar comum em detrimento do pensar filosófico, na esteira da música de Caetano Veloso, onde ele diz “só é permitido filosofar em alemão”, numa inversão de valores, e vestindo a carapuça. Ainda há esse viés popular de que pensar é para os fortes, para alguns que têm o dom verdadeiramente filosófico, e assim, colocando o ato de pensar na edícula, ao mesmo tempo desempoderando a atitude, e mitificando-o.

Pois pensar a mim parece a última esfera individual, intrinsecamente pessoal, com conteúdo particular e íntimo. A expressão cabal da liberdade. A liberdade de pensamento talvez seja a única forma de liberdade literal, profunda e total que uma pessoa possa experimentar. Ainda assim, ela está subserviente a alguns elementos individuais, como se não soubesse que não tem coleira, que não há cercas, que não há, enfim, limites. Está sujeita à consciência do indivíduo. E se lembrarmos que até outro dia éramos escravos, colonos, vassalos, não podíamos pensar e agir individualmente, mas como classe social e, posteriormente, como massa de manobra, a consciência de um todo maior ainda parece empanada.

Hoje ainda assistimos ao triste espetáculo da inundação de informações e a soberania dos meios de comunicação como se fossem obrigatórios para que um indivíduo conheça a realidade que o cerca, e não o contrário. Um verdadeiro circo cheio de cores vibrantes, textos ou imagens bombásticas, afirmações seguidas de negações, repleto de grandes manchetes e de conteúdos distorcidos, ou contraditórios. Houve um tempo em que bastava manter a população ignorante de saber ler, mas como as exigências do capitalismo o impediam, agora basta manter essa população entretida com o mar de informação, tentando achar uma agulha na espuma do vagalhão.

Sim, sou adepta à filosofia de botequim, da conversa sem fim e sem finalidade, que destrincha assuntos por horas e com risadas, com sarcasmo ou outro tipo de agudeza, torpe ou suave, não importando tanto o como e sem procurar ser eficiente nas conclusões. Adepta às discussões inflamadas ou amenas, embebidas ou secas, entre amigos que não querem convencer ninguém, mas discutir, pensar, refletir. O pensamento silencioso já é poderoso, mas exposto é libertador. Ao ouvir minhas idéias chamuscadas por críticas ou alimentadas por lenha, posso largá-las à deriva, posso fazê-las alçar vôo. Afinal, para pensar, não preciso estar certa. Não preciso sequer ter certezas, posso manifestar minhas dúvidas, minha insegurança, meus devaneios, e o mundo passa a ter outra qualidade.

Por isso o silêncio. Por isso a necessidade do silêncio, de momentos sem celulares, TVs, jornais, revistas, um minuto de contemplação, um minuto de estar comigo mesma, meditar, para que os pensamentos, como radicais livres, caiam no colchão da consciência, lenta e apaziguadamente. Para que as pedras do caminho sejam reconhecidas, medidas, avaliadas. Para que as rotas sejam corrigidas, as direções retomadas, renovadas.

É uma completa falácia a ainda corrente grita de que o tempo urge. A vida é exatamente esse passar do tempo, portanto, quem está correndo está vivendo correndo, e não indo para algum lugar de fato. Importa menos o fim, mas muito mais o meio, o meio do caminho, o como, o onde, o agora. Correr atrás do tempo é apenas um mecanismo a mais que, juntamente com o excesso de informação não deglutida, escraviza a mente, exaure o corpo, gera doenças, mantém massas de manobra prontas para fazer o que for comandado, comprar o que for exigido, pagar o preço que for. O tempo é vida.

E a vida que não transcorre nesse tempo, que não sabe o que anda comendo, nem consegue parar para contemplar o que caminhou e aonde chegou, essa vida que responde ao tempo marcado no relógio, ignóbil, duro, insensível, não é vida, é apenas uma existência – rica ou pobre, faminta ou gorda, brilhante ou deprimida – mas apenas existência. O sentido reside no abraço possível, nos olhares que se cruzam indefesos, nas palavras que puderam ser ditas e ouvidas, na troca entre outras vidas.


Hoje, podendo escolher, e reconhecendo esse poder, minha vida tem mais sentido. Recuperando o tempo como algo intrínseco da minha vida, posso dizer que tudo o mais, trabalho, amigos, papel social, político, família, tudo é verdadeiramente resultado de minhas escolhas. Minhas, e cada vez menos as que alguém queria para mim. Viver pode alcançar outras esferas, outras dimensões, a amplitude que o pensamento almejar. Isso já nos disse a física quântica. Mas muitos ainda insistem na consistência da matéria, na dureza da vida, ainda acreditando que uma vida assim sob o julgo das próprias mãos e pés e corpo inteiro é uma utopia. Hoje, estou preferindo o vôo aos trilhos do trem. E ainda pode ser muito melhor.