Feliz por estar comendo cogumelos selvagens em pleno novembro. Nem os próprios cogumelos entenderam 15°C num quase verão. Mas de qualquer jeito, entendendo ou não, eles foram refogados em azeite de oliva, cebolas crocantes e alho cremoso, flambados em saquê e servidos em pão tostado, delicioso. Claro, e vinho branco torrontés. Bom.
Colhi os cogumelos quando chegava em casa, sob os pinheiros. E não me lembro sequer de estar com fome, mas logo já os preparei e devorei. Deixei um pouco pois o pão acabou antes e sei reparar no meu apetite, como o prazer de comer. Cebolas douradas e brilhantes de azeite sobre lâminas de cogumelos me olharam desapontadas. Só mais uma garfadinha, pediram. E resisti sem sacrifício.
Os tempos são outros. Alguma coisa no ar informando que algo mudou. Vento frio lá fora. Muito frio. Cogumelos de inverno no verão. Céu azul, azul, sem chuva. Silêncio de vento. Sempre que algo sai do normal, eu penso na vida. Será que em outro tempo, na idade média, alguém parou um dia de verão com sol de inverno e pensou que algo mudou? Será que sempre houve mudanças e fim dos tempos? Um dia foi a virada do milênio, outra foi o fim do calendário maia. E nós sempre e sempre pensando que é chegado o momento do juízo final.
Tenho entendido mais do que já entendi em toda minha vida, eu que passei toda ela pensando e pesquisando sobre. Lendo sobre o lado oculto, o lado obscuro, as sombras, a vida ela mesma, em si, em mim. Hoje, mais do que nunca, estou calma. A calma justa dos que puderam viver, acordar, sentir mais do que entender.
E comer cogumelos do bosque, com perfume de terra e ervas, é meio que me sentir novamente um ser terreno e vivo. Bicho. Os bichos são felizes, não pensam. Pensar é um pouco morrer ou passar o tempo. Pensar é doer como os ombros que pesam. É doer. Doer é pensar. Quem sabe da dor senão pensa a respeito? A dor é um pensamento sem tino. E pensamentos passam, se soubermos deixá-los livres, aceitá-los, deixar que vivam o tempo que precisam. E que passem depois. Passem como as lembranças, passem como sorriso que abre a boca sem palavras. A dor passa antes que nos acostumemos com ela.
Cogumelos debaixo de pinheiros, esperando o momento de ser colhidos por mãos que os reconhecem. A vida pode ser melhor quando a fazemos como o jantar colhido do quintal e levado ao fogo para dar prazer mais do que alimentar. A vida, sujeito, agente, ativa. A vida no presento do indicativo, primeira pessoa do singular. Feliz, mesmo se não houvesse cogumelos.