terça-feira, 19 de junho de 2012

Voltar a ser criança


Queria ter a alegre jovialidade dos gatos que brincam sozinhos, com o pé da mesa, com uma bola de papel, com o tapete. A descontração das abelhas de flor em flor como um motor ligado sem fazer força. Ser como um regato correndo solto, uma folha balançando ao vento antes de despregar-se e voar sem destino rumo ao chão. Por que haveria de ter nervos? Por que tantos neurônios? A natureza é plácida porque não pensa. Ou porque não age. Ou seria uma atitude o contemplar, apenas, durante toda a vida? Olhar o pássaro voar e capturar a abelha, olhar o gato que captura o pássaro, olhar e não julgar. 

A sucessão de dias e noites não tem significado maior, a chuva ao invés do sol, o sol ao invés da brisa, a brisa ao invés da chuva. Nada precisa significar. E isso me parece apenas com o ser criança. Ser criança é não pensar em nada, apenas e tão somente viver. Viver sem nem se dar conta de que está viva. Que diferença faz saber o que está fazendo e não saber? Talvez isso seja o crescer. 

A beleza perdida de se perder a criança. Por que é tão mais fácil decidir quando se é criança? Parece que antes não havia tantas portas para abrir, não havia tantas encruzilhadas. O mundo era feito de uma vontade só: a sua própria. Então, um dia a gente acorda e tem um monte de gente dizendo o que tem que fazer. Tem um povo todo dando palpite na nossa vida. Tem um tanto de possibilidades divertidas e outras nem tanto. Podia ser criança de novo. Mas até os gatos crescem e deixam a bolinha de papel passar por eles sem movimento. 

Crescer mas não deixar de ser criança. Brincar com os dias passando. Passar sem se prender pelo portão fechado, pela luz apagada, pela bagunça toda que ficou. A bagunça me incomoda mais agora. Olho no espelho firmemente. Olho para os cabelos desalinhados caídos na testa. Olho para meus olhos, inexpressivos, me olhando. Dura? Indiferente? Cínica? Ontem foi uma coisa, hoje é outra. Daqui a pouco outra ainda. Posso mudar de feições num piscar de olhos. E posso voltar a ser quem eu era quando criança. Inquieta, irrestrita, impossível. 

Eu brincava sozinha muito tempo. Subia no telhado, saia de bicicleta, lia a tarde toda. Ninguém tinha me falado que as pessoas sentiam medo. Eu não sentia. Pulava de trampolim, subia na árvore, dormia no beliche. Colhia uma cenoura na horta e limpava na roupa, saia comendo. Doce, amarela, com cheiro de terra. Pendurava uma corda no galho e fazia um balanço. Descia o morro em carrinho de rolimã, caia, me ralava toda. Pulava cerca de arame, fazia fogueira, mexia com cachorros. Caí do cavalo, fui mordida por cães, caí no rio, e continuo andando a cavalo, enfrentando cães e navegando. Nem tudo é perdido, pois.

Não é que não queira as responsabilidades do adulto. Eu não quero a seriedade demasiada, o descontrole exagerado, o excesso de razão. Eu simplesmente não quero ter razão. Nada de enlouquecer, sair correndo sem roupa pela rua. Nada de matar ou morrer por alguém. Não, a razão ela mesma. Minhas razões são passageiras. Minha lucidez nunca me ajudou. A lógica do pensar só me prendeu no chão o pé que queria dar o outro passo. Andar é ter um pé no chão e outro no ar. E nos leva longe. É disso que falo. Eu quero ter uma razão no chão outra no ar, voando, perdida, vagando, inútil. Assim. Ser o samurai que cuida das crianças. Ser o empresário que cuida do jardim. Ser o conhaque em chamas, a flor de um dia, um perfume que passa. Leve. Tão leve que desmanche no ar. Leve e efêmera. Como tudo. Como o tempo. Como a vida.

domingo, 17 de junho de 2012

O invisível EU


No meu quintal tem uma fábrica de folhas secas, uma árvore de abelhas, uma banda acústica. O ar condicionado é descongestionante, o som é stereo, a tela não é plana, é 3D. Tem um tapete verde bordado de flores que, aos meus pés, vai se estalando como se fosse um assoalho de madeira de casa velha. Elfos desenham nas nuvens, a cada momento, uma nova aquarela, agora é um dragão que se transforma em coelho que se transforma em tartaruga que vira um cogumelo gigante no céu azul. Definitivamente, no meu quintal, você não precisará fumar ou beber nenhuma coisa e ainda assim fará uma viagem para estados alterados de consciência.

É assim a natureza. Uma viagem de cara limpa. Um silêncio de espaço sideral: e se você for esquecido? E se Huston sofrer um atentado? Você no espaço, a esmo, a vidrar na paisagem de uma terra azul e o silêncio. Mas daqui, onde meus olhos alcançam, as vacam estão pastando, as abelhas em uníssono disputam as flores cor de rosa da cerejeira com os colibris e, de vez em quando, uma metralhadora de pinhões é disparada de uma das araucárias.

Com toda essa diversão, ainda assim, Bill, o gato desbravador, vem para o meu colo andar para lá e para cá, como se eu fosse uma árvore, um tronco, um objeto escalável. Bill se deita e relaxa de tal maneira que tenho dó de me mexer. Ao sair andando deparo com umas amoreiras que secaram, suas folhas completamente no chão dando-lhes a aparência de mortas, os galhos projetados para o céu em vão. É assim mesmo. Algumas coisas têm que morrer às vezes. Ou quase. E a renovação vem a seguir. Tudo recomeçará daqui a pouco. Deixa o sol esquentar, as chuvas voltarem, e lá vem o ciclo todo de novo. Para que se apegar? O negócio é largar a mão, soltar as rédeas, fechar os olhos e acreditar que no próximo ciclo você não vai repetir a lição. 

Eu já repeti tantas vezes as mesmas lições que estou um pouco cansada. Cansada de mim. Cansada de não aprender, de não entender. Talvez eu não esteja pronta para a paz. A paz de ter terminado tudo antes do pôr do sol. De ter arrumado a casa, de ter me alimentado e alimentado os cães e os gatos que dependem de mim. A paz que é o fim da linha. Depois, sim, talvez depois eu tenha que trocar de trem. Ou trocar de forma de seguir. Daqui para frente vou a cavalo. Os cavalos são mais que um meio de transporte. São mais que animais de estimação, domésticos. Eles olham. Do lado de lá da cerca, do lado das vacas, um belo animal me encara. Ele sabe do meu medo, ele entendeu. Meu medo que ele tocasse a cerca e se machucasse no arame. Ficou me olhando de frente o tempo todo, sem se alterar, sem dar um passo, sem descansar uma pata. Vou a cavalo porque os cavalos me entendem, sem que eu precise me entender antes.

Fico pensando se é uma coisa de competência. Porque todos nós somos competentes com uma coisa ou outra. E se não estamos dando conta, algo está errado. E é conosco, não é com mais ninguém. Por que insisto no erro? Insisto na hora errada? Insisto até quando já deveria ter ido embora. Toda simplicidade tem uma certa complexidade. Eu mesma não sou tão óbvia assim. E, quem pensa que me conhece porque já agi desta ou daquela maneira, pode me explicar então quem sou. Eu queria ser simples como meu quintal. Mas mesmo ele é ambíguo, tanta vida e as mortes cotidianas se revezando sem ter fim. Queria ser apenas essa paisagem plácida que se descortina na janela. Mas ao sair vejo que os detalhes são muitos, muitos atores, muita arte para ser vista. Agora a plateia sou apenas eu. Eu, que plantei a maior parte dessas árvores e plantas, um sujeito que não aparece na cena. Ela é a minha realização material. Eu, o espírito.

sexta-feira, 15 de junho de 2012

GPS para atitudes


Queria um biscoito chinês desses que têm uma mensagem lá dentro. Mas ia ser bem especial, ia dizer para mim o que eu tenho que fazer. Ia dizer para eu virar à esquerda na próxima encruzilhada. Ia dizer para eu subir em frente. Ou para virar a esquina. Ia dizer tudo que preciso saber. Ia me adiantar quais os gestos que não poderia tomar, quais as palavras que não poderia dizer, o tom, a intensidade. Enfim, ia agir por mim para eu nunca errar.

Assim, eu nunca magoaria as pessoas. Eu não falaria o que não devia. Eu não escolheria o rumo errado, nem ia deixar em dúvida o que não poderia ficar em dúvida. Eu não deixaria passar oportunidades de ser feliz. Nem ia deixar passar pessoas importantes. Eu não afastaria pessoas que não sabiam que queriam se separar. Eu não aproximaria ninguém que não quisesse antecipadamente. Eu não interferiria na vida de ninguém. Nada me afetaria com dor. Nem a tristeza me esperaria na esquina, eu mudaria antes de calçada.
Eu evitaria os filmes com final dúbio ou triste ou dramático. Eu não choraria de emoção a cada dia de haver chegado onde cheguei. De haver em mim uma intensidade de fogo que destrói coisas belas. Pararia de brindar com Machado que o melhor seria pecar por excesso, nunca por falta. Talvez a falta fizesse melhor. A falta de resposta na hora errada. A falta de veemência quando o melhor seria a amenidade.

Talvez eu conseguisse a leveza dos pássaros, dos biscoitos chineses frágeis e quebradiços, e pudesse pairar sobre as desavenças humanas. Eu pudesse entender um pouco o que move as pessoas, porque eu não sei. Definitivamente eu não sei. Eu não sei se elas se assustam com a intensidade. Não sei se é melhor nunca ser intenso, em nada. Ser vazio como uma brisa fraca. Ser morno como um dia que acabou. Ser sem nenhum julgamento. Ser sem nenhuma crítica, avalanche de críticas despencando na cabeça por tudo. 

Tudo é muito para mim. Eu só queria um bilhete premiado, me contando o que vai ser dito por uma pessoa antes, para que eu não me impacte com nada. Eu queria apenas ser despovoada de nervos. Sentir como quem pensa. Pensar como quem age. E copiar os grandes e bons. Ser uma cópia boa e simples, sem erro. Sem drama. Sem teatro. Sem especulações. Talvez isso não me ajudasse a aprender. Talvez isso não me faria crescer. Mas às vezes o cansaço é um empecilho, faz querer o gabarito, faz querer que o tempo voe. Voe sem fim. Voe para longe. Faz querer esquecer. E estou bem cansada. 

Eu queria saber zerar o marcador. Começar de novo. Ter paciência de começar de novo. Ter um tempo para não pensar em nada. Ficar livre para não tirar nem a média.  Mas estou cansada. Quase cansada. Quase sem vontade de continuar. Quase. Por pouco não termino a frase. Por pouco não acredito na palavra. Por muito pouco não encosto na parece e escorro até o fim. Dramalhão. Perdido no horário nobre em dia de apagão. Qual a direção? Eu só queria um biscoito mágico que me revelasse tudo que não sei das expectativas, das promessas, das viagens que voltam repletas de lacunas. Uma mensagem de ânimo. Mas ainda assim, haveria a chance de eu não seguir o conselho. E fazer tudo errado, novamente.

quinta-feira, 14 de junho de 2012

Um portal de volta para casa


Dobrei o portal e segui direto para minha casa. Cheguei sozinha. E bem. Não fique com pena, porque a maior parte das pessoas relaciona estar só com ser só. E ser só significa: estar mal, triste, em crise, entediado. Mas pense bem, quantas vezes você já não brigou com quem está ao seu lado o tempo todo por quase nada, por uma diferença de opinião, por um momento de certeza na contramão. E sim, uma pequena briga é uma pequena crise. Uma pequena discussão faz parte, você não acha?

Eu antes acreditava que plenitude era o fim da linha. Depois era só morrer. Não era à toa que meus dias eram repletos de crises, assim eu me sentia viva. As discussões eram necessárias porque a paz era o fim. Imagine, de repente, a amplitude, a imensidão, a quietude. O mundo acabou? O silêncio só é aceito depois da tempestade. Mas sem barulho o silêncio é arrastado. Você está acostumado a trabalhar sem recursos. Um dia alguém chega e coloca tudo ao seu dispor. Pode contratar quem você achar necessário. Pode comprar equipamentos, pode automatizar tudo, pode até não ter hora para entrar nem para sair. “Ah, tem alguma coisa aí. Eles vão aprontar alguma comigo.” Não é assim? A paz é um prêmio ou é um presente de grego?

Não, virei o portal e segui direto para minha casa. Depois da estrada, do barulho e da velocidade, depois da ausência e da impessoalidade, volto para casa. Encontro um pouco de calma. Olho em volta e tudo é tranquilidade. Os cachorros no quintal. Os gatos dentro de casa. Tudo funciona. Não choveu nem tem lua. Uma normalidade de doer. Ninguém para dizer o que fazer, o que não fazer, o que quer. Ninguém para reclamar da música, da altura da música ou de qualquer coisa. Tudo bem. O melhor lugar do mundo é aqui. E agora?

Não. Definitivamente não. Virei simplesmente o portal e a estrada estava vazia. Segui com farol alto e dei de cara com a névoa de toda noite de inverno. Ela é leve, mas me barra a visão. No final, eu, que começo a descrer dos opostos e do aprender por repetição, também começo a ver que pode haver plenitude em vida. E uma vida plena, ampla, verdadeiramente ampla, escolhida realmente, optada por total e completa decisão consciente, é um ponto no meio de infinitas retas. A cada escolha – certa ou errada – tantas outras se abrem. A cada passo dado, tantos horizontes se descortinam. 

Sozinha. Tudo isso – um céu de estrelas sem par e sem fim – numa vida possível, dói. Dói o peito como se sufocasse. A felicidade que, tanta, não se aguenta, engrossa as veias no pescoço e nos braços, seca a boca, enche os olhos de um brilho estranho. É medo e é dor e é alegria. Perguntado, não sabe responder. Tenta explicar e não consegue. É uma falta de ar, uma coisa no peito, a roupa é demais. Mas sozinha?

Casou? Não. Separou? Também não. Ora, nem tudo na vida é em função de estar com alguém. Estar bem, sim. E estar bem depende tanto de crenças que parece até religião. São tantas as condicionantes, que falar de um relacionamento incondicional é até um disparate. Mas existe. Como as fadas, como os gnomos, de certo. Agora, me fala sinceramente, qual contrato não tem nenhuma condicionante? Qual acordo não tem restrições? Qual relacionamento não tem limites? E, de repente, não mais que de repente, tudo é possível. Não precisa tirar o pó das rotinas estabelecidas. Você gostava do passo-a-passo, da fila indiana, a coisa toda organizada e arrumadinha? Então vai sentir falta, porque o estar sozinho implica em caos, exige criatividade. O que vai fazer para jantar? Aonde vai esta noite? O que vai fazer no final de semana? Tudo tudo depende de vocezinha. Todas as escolhas por fazer. O mundo inteiro por ser. E a paz. Simplesmente a paz. (e a paz é a mais difícil).

terça-feira, 12 de junho de 2012

Amor e Plenitude


Acho que já não estamos mais na idade da inocência. Hoje, mais do que nunca, todas nossas atitudes têm consequências. Todos os gestos tem amplitude além do alcance da nossa consciência, seja ela do tamanho que for. Se não soubermos onde estamos mexendo, é bom começar a saber. Não se trata mais de estar com a razão ou não. Não se trata de errar ou acertar, do pecado ou da salvação. A matriz está mudando. Já brincamos muito tempo do jogo de opostos, da gangorra de complementos, de yin e yang, macho e fêmea. Agora parece que tudo está caminhando para a plenitude. Estados de espírito mais completos em si. Bastados e bastantes. 

Não dá para pôr a culpa em ninguém de nada que acontece em nossa vida. Se acontece comigo, o problema é meu. Não dá para continuar dizendo que está difícil, porque difícil é continuar acreditando em fada madrinha, em bilhete premiado, sorte ou azar. Difícil é tudo aquilo que depende de nós quando estamos simplesmente de costas. Encarar de frente não é difícil. Nem fácil. Porque a vida é a vida, não é o comercial da televisão, não é um produto que se compra pronto. A vida é um fazer-se diário, exige calorias, exige empenho. 

Às vezes penso que tudo que fazemos é consumição. Respirar é oxidar, enferrujar, morrer. Mas sem respirar não vivemos. Precisamos comer, e ao comer, matamos um pouco o pouco que nos resta, lá fora. Só a energia não é criada nem destruída. Então, só um caminho é possível: ser energia. Ser A energia. Ser luz. Ser consciência. Abrir os olhos para a verdade e todas as verdades mal dissimuladas se apresentarão. Permitir-se ouvir a clareza e todas as sombras aguardando seu momento de se queimarem ao sol virão ao nosso encontro. E dar seu testemunho, seu verdadeiro testemunho. Ser o exemplo real da vida que é espírito. Que é maior do que a vida. Que está além de todas as razões.

Mostrar, enfim, toda a alegria que a vida é de fato. O fogo faz o fogo. A alegria faz a alegria. E a felicidade é a soma de todas as alegrias diárias descendo em cachoeira pelas mãos que agem, pelos braços que abrem, pelos lábios que sorriem o desfecho da festa. A festa de ser quem somos, divinamente. De ser sem medo, um patamar acima, sem olhar para baixo. Não existe lá embaixo. Não existe mais dor. Não existe sofrer. Sofrer é uma crença dos que preferem se deixar vitimar por sua fraqueza. Aliás, sua falta de vontade, pois não há mais fraqueza. Dá sim para deixar de lado aquilo que nos magoou, porque é um peso desnecessário. Dá para não revidar um gesto mesmo quando estamos certos de estarmos certos. Porque é só relativizar sua certeza. É só entender um pouco o que o outro tem a dizer. As pessoas querem ser felizes. Umas o fazem à custa de alguém, sem querer saber quanto está custando. Então, que sua própria vida lhe apresente a conta, sem que precisemos fazer parte disso. Que sigam em frente todos os que descobriram que a pedra do caminho é apenas o caminho, não é o fim. E, ao aceitarem obstáculos, não estarão reverenciando, mas deixando de sofrer. Não estarão se impondo, mas sim, incluindo. Acho que estamos na idade do amor. E o amor intercede, facilita, completa. Amor é o fim da inocência, é plenitude.

quinta-feira, 7 de junho de 2012

Bom senso e Mau gosto


Outro dia uma pessoa me falou em bom senso. Fiquei pensando: do que ela está falando? Que é “bom senso”, afinal? Vi uma moça postando uma foto de si mesma em pose bem querendo ser sexy. Bem, se ela não se achar, quem vai, não é? Mas. Era uma foto para mostrar para aquela outra do tal “bom senso”. É uma medida muito difícil, essa. A autoestima versus o bom senso. E tem outra coisa: a autocrítica que usa bisturi, ou ainda, a crítica que é cirúrgica, que faz avaliações quase virginianas da realidade, quase sem espaço para o erro. Quase sem deixar uma brecha para a dúvida, para a criatividade. Que limiar é esse? 

E não dá para acertar com todo mundo. Para uns a foto é de mau gosto, para outros já representa segurança pessoal. Porque tem que ser muito seguro de si mesmo para se colocar em certas situações, fala verdade. E vai ter sempre alguém para achar que a pessoa não se toca. E sobre si mesmo, o equilíbrio entre autocrítica e autoindulgência, uma gangorra estancada, enferrujada, parada sempre no mesmo lugar.

De resto, penso que o difícil mesmo é fazer escolhas, porque sempre significa deixar alguma coisa de fora ou alguém de lado. Não dá para ter tudo, escolher tudo, ou não seria escolha. Acho até que é uma palavra que deveria ser escrita com x: excolha. Escolher e olhar para frente, sem querer ver o que seria se tivesse feito outra opção. Escolher e apostar, acreditar verdadeiramente naquele rumo. 

Mas, então, será que realmente temos escolhas? Será realmente que podemos optar nos nossos caminhos, no aqui e no agora? Quanto do que vivo hoje é resultado de atitudes passadas, e quanto é assim porque eu iria viver de uma forma ou de outra? Eu já achei que era uma ideia romântica acreditar que minha vida estava escrita nas estrelas. Hoje acho romântico pensar que faço escolhas. 

Não, definitivamente não sei nada sobre escolhas. Mas menos ainda sei sobre o ridículo, sobre timidez, sobre ficar em silêncio na hora de opinar, ou sobre bom senso. Tanta coisa junta que parece até sopa de final de noite: bastando que esteja quente, não importa o que tenha. Ainda assim, me intriga que eu esteja fazendo um teatro para mim mesma e para deus. Que eu esteja cumprindo um papel escrito anteriormente para ser divertido ou para alguém aplaudir ou criticar. Quem está assistindo?  Antes, tem alguém assistindo?