Tanta coisa já foi dita, tantas histórias contadas. A
história do inverno, da lua cheia, do gato que subiu na árvore e os cães
embaixo latindo. Tantas vezes já falei do inverno que chega depois do outono,
qual a novidade? São os ciclos. Tudo é circular. Depois do jantar, que foi meu
almoço também, fiquei melancólica, nostálgica. Não. Nada de nostalgia. Nada de
querer viver o passado novamente. Pode tudo ter sido bom, pode ter sido muito
bom. Eu quero sempre o novo, e não de novo.
Eu até assisto filmes de que gostei de novo. Teve alguns que assisti umas sete vezes, só no cinema.
Assisto e me emociono igual, parece a primeira vez. Repito uma mesma música
tantas e tantas vezes que quase vira o momento da oração, nada de profanar o
templo musical. Mas nem comida que gosto muito eu repito, exceto lentilha, que
pode ser atualizada a cada momento. Nem sequer aquela bomba, um éclair
maravilhoso, leve e delicado que acompanha à maravilha um café bem tirado, nem
sequer se for com recheio de baileys, não, não repito.
A verdade é que gosto de saber que uma coisa é única, que
não pode ser repetida. Aquele momento foi especial porque foi ímpar. Ou foi
ímpar porque foi especial, não sei bem. Gosto da idéia de que a felicidade é um
instante superável. E que, uma após outra, as felicidades vão se interpondo
para enriquecer a vida. Qual a graça de ser sempre o mesmo vencedor em toda
corrida, o mesmo brinde a cada champagne, de ser sempre o melhor gole aquele
que já foi, que foi antes, que acabou?
Não, a surpresa é uma sucessão de ações que saem fora do
controle. Porque não tem nada mais aborrecido do que o controle da situação. De
viver apenas o risco calculado. De saber o resultado antes, qual o desafio? O
que move você? O saber o gabarito ou o ganhar o prêmio? Porque quem quer mesmo
ganhar o prêmio não copia de ninguém; o verdadeiro troféu é ter conquistado por
si. É ter corrido com suas próprias pernas. É ter sabido por suas próprias
sinapses. E depois esquecer. Porque saber é um peso que não precisa ser
carregado para o resto da vida.
Olho para o dia que amanhece úmido antes do sol bater. Todo
dia é igual. Mas, quando esfria muito, isso congela. Quando congela, uma flor
cor de rosa linda abre na cerejeira. E depois nasce uma fruta vermelha que os
pássaros adoram. Quando tem muito pássaro, meu gato gosta de ficar embaixo,
esperando. É assim sempre que o inverno sucede o outono. E, no entanto, tudo é
novo. Tudo me admira e me faz sorriso nos lábios, como um dia de bobeira.
Apenas porque a vida é o movimento dos contrastes, de metamorfoses esquecidas,
deixadas sem colher como a fruta que o passarinho bicou. Alguma coisa se perde,
nem tudo é aproveitado. A vida não é pura eficiência, não é o estresse da
perfeição. Tudo que é simples se deixa passar um pouco uma vontade que não
ficou completa. Uma fome que não foi inteiramente saciada. Uma sede que não é
de água. O simples não se repete, por mais que aconteça de novo. Só esse de
novo é que eu repito.
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