quinta-feira, 14 de junho de 2012

Um portal de volta para casa


Dobrei o portal e segui direto para minha casa. Cheguei sozinha. E bem. Não fique com pena, porque a maior parte das pessoas relaciona estar só com ser só. E ser só significa: estar mal, triste, em crise, entediado. Mas pense bem, quantas vezes você já não brigou com quem está ao seu lado o tempo todo por quase nada, por uma diferença de opinião, por um momento de certeza na contramão. E sim, uma pequena briga é uma pequena crise. Uma pequena discussão faz parte, você não acha?

Eu antes acreditava que plenitude era o fim da linha. Depois era só morrer. Não era à toa que meus dias eram repletos de crises, assim eu me sentia viva. As discussões eram necessárias porque a paz era o fim. Imagine, de repente, a amplitude, a imensidão, a quietude. O mundo acabou? O silêncio só é aceito depois da tempestade. Mas sem barulho o silêncio é arrastado. Você está acostumado a trabalhar sem recursos. Um dia alguém chega e coloca tudo ao seu dispor. Pode contratar quem você achar necessário. Pode comprar equipamentos, pode automatizar tudo, pode até não ter hora para entrar nem para sair. “Ah, tem alguma coisa aí. Eles vão aprontar alguma comigo.” Não é assim? A paz é um prêmio ou é um presente de grego?

Não, virei o portal e segui direto para minha casa. Depois da estrada, do barulho e da velocidade, depois da ausência e da impessoalidade, volto para casa. Encontro um pouco de calma. Olho em volta e tudo é tranquilidade. Os cachorros no quintal. Os gatos dentro de casa. Tudo funciona. Não choveu nem tem lua. Uma normalidade de doer. Ninguém para dizer o que fazer, o que não fazer, o que quer. Ninguém para reclamar da música, da altura da música ou de qualquer coisa. Tudo bem. O melhor lugar do mundo é aqui. E agora?

Não. Definitivamente não. Virei simplesmente o portal e a estrada estava vazia. Segui com farol alto e dei de cara com a névoa de toda noite de inverno. Ela é leve, mas me barra a visão. No final, eu, que começo a descrer dos opostos e do aprender por repetição, também começo a ver que pode haver plenitude em vida. E uma vida plena, ampla, verdadeiramente ampla, escolhida realmente, optada por total e completa decisão consciente, é um ponto no meio de infinitas retas. A cada escolha – certa ou errada – tantas outras se abrem. A cada passo dado, tantos horizontes se descortinam. 

Sozinha. Tudo isso – um céu de estrelas sem par e sem fim – numa vida possível, dói. Dói o peito como se sufocasse. A felicidade que, tanta, não se aguenta, engrossa as veias no pescoço e nos braços, seca a boca, enche os olhos de um brilho estranho. É medo e é dor e é alegria. Perguntado, não sabe responder. Tenta explicar e não consegue. É uma falta de ar, uma coisa no peito, a roupa é demais. Mas sozinha?

Casou? Não. Separou? Também não. Ora, nem tudo na vida é em função de estar com alguém. Estar bem, sim. E estar bem depende tanto de crenças que parece até religião. São tantas as condicionantes, que falar de um relacionamento incondicional é até um disparate. Mas existe. Como as fadas, como os gnomos, de certo. Agora, me fala sinceramente, qual contrato não tem nenhuma condicionante? Qual acordo não tem restrições? Qual relacionamento não tem limites? E, de repente, não mais que de repente, tudo é possível. Não precisa tirar o pó das rotinas estabelecidas. Você gostava do passo-a-passo, da fila indiana, a coisa toda organizada e arrumadinha? Então vai sentir falta, porque o estar sozinho implica em caos, exige criatividade. O que vai fazer para jantar? Aonde vai esta noite? O que vai fazer no final de semana? Tudo tudo depende de vocezinha. Todas as escolhas por fazer. O mundo inteiro por ser. E a paz. Simplesmente a paz. (e a paz é a mais difícil).

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