Escrever é
uma forma de estar sozinho. A palavra apenas expressando o pensamento que não
se sabia presente. A companhia esconde a palavra. Emociona, abraça, perpetua-se
no gesto que a escrita não permite. O beijo ou a palavra? Um ou outro. Escrever
é comer o que não está na panela. É permitir o que não tem perdão. É a falta de
chuva, a falta de sono, a falta de coisa melhor por fazer.
A poesia se
faz sozinha. No banheiro, na cama, na varanda. Um pouco de tempo perdido,
apetite perdido. Outro pouco, quando o sol se põe. Acontece quando não há
sombra, não há reflexo. Escolhe o ouvido desavisado para soprar seu silêncio. Poesia
não fala.
Depois,
quando todos se foram, a casa ainda acesa, passeia por ela experimentando seu
efeito. As imagens enlaçadas sonoramente. O efeito na pele. Na língua. Tremor leve
no estômago. E o resto. O resto é apenas uma nota que continua dançando quando
tudo o mais se foi. Dançando nas pontas dos pés, doído. Dançando quieto e sem
par. Toda poesia é ímpar.
No silêncio
que a música não irrompe, a palavra descuidada e desarrumada paira. Quantos conseguiram
ver? Quantos alcançaram? Não importa, traçando na poeira dos móveis, o ritmo
marcado sem compasso enumera-se. A poesia é matemática. A matemática, um sinal,
uma equação do que quis ser dito.
Não, não. Eu
não sabia que era preciso estar só para parir palavras desconexas e sem redes. Palavras
que sequer rimassem. Sequer soubessem. Roubassem como um anzol fisgando o que
não viu. Eu não imaginava que era preciso conversar sozinho, abraçar o
travesseiro, perder a hora. Morrer mesmo.
Morrer sem
que ninguém desse pela falta. Sem que ninguém desvendasse o sentido. Estado desmanchando-se
de sólido para gasoso. De uma só vez. Como a lenha que pega fogo. Como o arroz
que se perfuma de jasmim e se transforma em macio.
Ah, quem me
dera, a poesia. Na noite que passa sem. Ausente. Fora. Desmedido. Somente. Tão somente.
Palavra de estar só. Uma única palavra, um som, uma pedra. Ao invés disso,
você. A me abraçar, e me beijar, e me acalentar até dormir. Você a me fazer
perder o sentido. Você que nem sei onde, nem como, apenas sinto a pele quente
recostando na minha pedindo. Num instante o calor da coberta jogada ao chão. E
no seguinte, o frio que pede sua mão.
No papel em
branco refeito em lençol, vou perpetuando as palavras que não disse e não
direi, seguida tão somente por aragem da sua respiração morna. Você embaçando minha
pele. Escrevendo nela com o dedo leve. Escrevendo e apagando. Nas declarações
desapercebidas, vou recitando meu amor. E você, minha poesia.