segunda-feira, 14 de junho de 2010

Quantos caminhos

Quantos caminhos podemos seguir apenas vivendo... tantos, tantos, uns de pedra, outros de terra, uns tem vista para o mar, outros para a montanha. Quantos passos em linha reta para quantos subindo um morro. E de quantas formas podemos caminhar por esses tantos caminhos. Alguns exigem calçado, outros precisam ser descalços, alguns ainda precisam da ajuda da mão, agarrar num galho do barranco para subir um degrau, ou descer escorregando para não cair. E as trilhas? E os desvios? meu deus...

Olho para o céu e vejo que daqui não posso ver a estrela polar. Para onde seguir? Para onde ir? eu, que já saí de casa há muito tempo, muito tempo na estrada. Fui me procurar, sapatos empoeirados com o pó de todos os lugares por que passei. Deixando no rastro um pouco do pó que trazia antes. E por todos os pontos que fui e deixei, nada me prendeu, nada me fixou. Mas estou aqui agora, olhando o horizonte conhecido, reconhecido, o tempo que deixei de ter. Eu vim em busca do tempo e não tenho mais. Vou me embora. Vou atrás do vento norte, quente.

Balança os meus cabelos um pouco a brisa fria da noite. Esse rio não corre para o mar, não aqui onde começa. Segue para dentro, para o sertão, engrossando o caldo de águas claras que não alimenta, mas sacia. Nessa época do ano ele corre frio, cheio de pedras e espumante. Carrega meu olhar cheio de dúvidas e de ansiedade para dentro das curvas e quedas que serpenteia pelo seu rumo. Sigo sua direção? No final todos os rios seguem para o mar, cedo ou tarde. Um mar grande ou mar pequeno, não importa. Faço mais em ir embora do que ficar a olhar a esmo.

Nada me prende aqui. Nem os pássaros que cantam alegres e voam em vai-e-vem incansável. Nem a renda das copas das árvores desenhando o pôr-do-sol, nem o aceno sincero das pessoas que passam por mim na calçada. Tudo é temporário, passageiro; a vida é um caminho, e não um destino. E assim como me preparo para seguir em frente, abro a janela para a luz e para o frio de fora, para me deixar sentir, inteira.

Vim porque aqui era o paraíso, mas vivi o inferno interminável. Se não acaba, sou eu que acabo com ele. Porque demorei tanto tempo para entender que não precisava viver isso? Eu nunca vou saber, talvez. Mas aprendi que tem pessoas certas e pessoas erradas com quem viver. Pessoas certas incitam, estimulam, instigam. Pessoas erradas deprimem, espremem, usam. Saber escolher passa também por saber não se deixar usar. Eu sei, fui sozinha ao inferno, ninguém me obrigou. O inferno fui eu. Saí de lá fugida, jogando a chave por baixo da porta. Mas meus pés ainda carregam as cinzas em que me transformei por tanto tempo.

O paraíso sou eu. Aonde levar minha paz para voar, lá será meu paraíso. Onde possa comer todas as maçãs que brilharem seu vermelho arriscado sem medo da vergonha por vir. Não há o que temer quando a paz acompanha nossos passos. Meu sonho de tranqüilidade, meu deus, meu sonho de harmonia, de bem-estar, onde me instalo novamente? Tudo que já vivi teve a importância de me fazer crescer. Mas por que quero tanto esquecer que fui ao inferno andando e não saí de lá mesmo quando já ardia a brasa fria do desamor? Por que ainda não me livrei dessa lembrança pesada, que cansa só de pensar, do qual morreria para esquecer? Por que me persegue, eu que nunca vendi minha alma? Como me livrar dessa sombra pegajosa que tem cheiro de mofo e gruda na roupa feito espinho do mato? O que me prende num tempo de espera eterna? Cansei de tentar entender. Agora só vou partir. A vida vale pelos passos que se dá e pelo que o olhar consegue tocar.

quarta-feira, 9 de junho de 2010

A vida é um conjunto

A vida é um conjunto de alegrias e tristezas que se revesam e se sucedem. Quisera viver somente as alegrias, o lado claro da vida. Olhar pela janela transparente da confiança, estender a mão para a fruta sempre disponível, sempre ao alcance. Quisera sentir somente o amor, amor que sinto, que me toca. Mas ao dia segue a noite. Bela quando há lua, bela quando não há. Cheia de estrelas, mas nem sempre. O sempre é uma coisa que não existe na vida.
Ainda assim, amo a vida. Amo passar o frio das manhãs geladas de inverno. Elas são límpidas, azuis, bordadas de verde da serra. O frio que aconchega porque é a vida que escolhi. Depois nasce o sol, e ele vai esquentando aos poucos, aos poucos fazendo sombra por onde vou. Não é o sol que faz sombra, sou eu. Sou eu que sou sólida e opaca, seguro um pouco a luz de passar. A gente que não é luz quer sempre carregá-la conosco. Então, fazemos sombra. Quisera não fazer sombra sobre ninguém. Pisar nela com o sol sobre minha cabeça. Mas projeto por onde ando a sombra do peso que meu corpo tem. Que minhas experiências trazem.
Como é complexo viver. Quero luz e faço sombra, quero alegria e trago as dores de outros tempos nos músculos e maxilares travados. Busco a paz, o significado, o abraço quente. E levo também a balbúrdia barulhenta dos desencontros, a incompreensão das falas desconexas, o balançar vesgo dos braços a esmo.
Queria apenas ser uma dentre tantas que sou. Vestir a roupa simples de um dia e ser eu mesma sem enfeites. Falar de amor e ver a reciprocidade do mundo no alô das mãos que acenam. E sorriem. E se dão.
Já consegui juntar muitos significados para minha vida. Ter me achado um dia no lugar da vida que escolhi foi um belo significado. O primeiro dos muitos passos que se faz a caminhada da vida. Mas quanto tempo, meu deus, para dar esse passo. Quanto tempo para entender o que queriam dizer minhas pernas, entender que direção tomavam meus pés, meu olhar desencontrado do resto, olhando para as nuvens, o sonho.
Viver é melhor que sonhar, sem dúvida. No sonho tudo dá certo. Você vai crescer e vai se dar bem. Vai encontrar alguém que te ame como você o ama e vai se dar bem. Vai trabalhar naquilo que gosta e vai se dar bem. Tudo vai dar bem. Magicamente. Lindamente. Mas viver tem surpresas, tem o inesperado. Tem aquilo que nem o sonho te daria: o fascínio e o medo do novo.
O novo é uma regalia para poucos. Que bom poder reconhecer a cada momento a novidade da paisagem. Uma flor que abriu, um galho que caiu, um olhar forte que se sustenta. Isso faz toda a dor antiga e grudada em você pelas solas dos pés parecer que são cócegas. A vida e a complexidade dela. E eu que pensava que melhor para mim era buscar o simples. Onde o simples? Só se for pela janela fechada e transparente que permite ver o lá fora sem se expor. Sem sentir o vento frio. Só se for para não sentir o arrepio que o frio faz na pele, como a alegria faz na pele, como uma boa lembrança faz no couro cabeludo.
Sim, o vai e vem da vida. Não é fácil entender os motivos. Não é fácil buscar paciência sem deixar de pensar que é filho de deus, que é o filho de deus. O escolhido. Sem pensar que o mundo gira em torno de si.
Bom viver com todas as diferenças. Todas as dificuldades. Todas as desavenças. Porque o melhor de tudo é o que se leva dela. O sentido que só sentindo se tem. Que bom que é viver.

Sonho e Realidade

Não são só homens que gostam de mulheres dependentes. Mulheres também gostam de homens dependentes. Aliás, as pessoas em geral não gostam de lidar com iguais. Iguais em estatura, em inteligência, iguais em direitos, sensibilidade.
É muito mais simples definir o mundo pelo seu próprio olhar. Julgar, criticar, condenar o outro é tão simples como não mudar. Mudar é um problema. Mudar é muita desorganização, é desestruturação. A vida dessas pessoas é em geral simples como elas resolvem as coisas. Intransigentemente. É porque é. Sim porque sim. Não porque não. O mundo imutável dos que têm medo. Medo de transgredir, de ir além.
É por isso que dói tanto a elas qualquer possibilidade de mudança. Seu pensamento fixo não admite nenhum viés. Tudo é literal. Tudo é como parece ser. Vítimas de seu próprio pensar fixo. Qualquer variação do vento que faça balançar os cabelos é uma ameaça. E diante de negar o que sempre pensou, o que vai morrer consigo sem alteração, preferem negar o mundo. Nada que for diferente do que acreditam pode ser igualmente certo. Nada do que foge do esperado pode ser verdadeiro. A fronteira entre essa simplificação e a anulação da vida é uma porta entreaberta. O sonho, então, é uma projeção banal de uma realidade que se multiplica pelo óbvio. O sonho que a poesia transcende e faz verdadeiro sucumbe ao ângulo reto.
Existe uma distância muito grande entre a justeza de princípios e a dureza de pensamento. Pensamento inflexível é uma incoerência porque é próprio do espírito ser flexível, tanto quanto lhe é próprio ser ético. Não existem estados imutáveis nem na rocha sólida. Estados de permanência plena, em que o olhar não se deixa surpreender, chocar, vibrar. Talvez gurus?
Não acredito no silêncio dos que não respondem para não agredir. Porque o silêncio que não é uma prece é a traição. A traição dos sentidos, traição de si mesmo. Quando eu parar de falar é porque não vale mais a pena. É para poupar energia.
Não, não são iguais os que pensam igual, mas os que valorizam os outros como a si mesmos. De resto, não existem superiores ou inferiores, mas ignorância, obtusidade.
Embora minha desilusão com pessoas que teimam em não ousar sobre si mesmos, ainda acredito em algo que é maior que todas as inflexibilidades, que todas as incongruências, que anula todas as negatividades. Acredito no amor. E pelo amor eu sei que você está entre os que querem seus pares.