segunda-feira, 21 de dezembro de 2009

Razões

Tem palavras que não faria falta nenhuma não sabermos. Distância, ausência, saudade. Por que lembrar faz uma série de química no corpo que nos provoca efeitos nem sempre sob controle? Eu queria olhar para o dia triste que se forma lá fora, sem sol, sem chuva, com pouca luz difusa, sem vento, sem brisa, e achar que a chegada do verão é apenas uma mudança, não um fim. Eu queria saber acreditar e tanta coisa seria diferente.

Lá fora a grama cresce solta sem limites. E as flores também. Onde cresce o mato cresce o amor também. Um amor áspero como o dia que não se define. Um amor selvagem, subindo entre as ervas que plantei com carinho e atenção. É tudo verde, tudo verde, mas um é mato e o outro é erva. Com um farei chás, perfumarei pratos, lembrarei de coisas que vivi ou viverei; com outro escondo o que fiz. Deixo-me medrar solta a liberdade profunda de ser, única, indomável, impenetrável.

Não digo que não aprendi nada com isso. Claro que sim. Já não tenho dores de cabeça como antes, com uma pressão no alto me lembrando que a vida não é feita só de emoções, mas também, e muito, de razões. Qual a razão da planta? Que estratégia de vida a árvore tem para si? Minhas cachorras entrando em casa e cheirando os gatos têm um suspeito motivo. Todos querem atenção. Todos. É para isso que uns fazem flores, outros fazem perfumes, outros fazem doces. Para ter abelhas rondando, para ter beija-flores beijando. Para ter olhares carentes profissionais nos dobrando e deixando ficar, deixando ser. Razões que geram emoções, ás vezes até atitudes.

Eu sobro em razões. Me debulho num paiol para secá-las e usá-las no tempo da estiagem. No tempo em que, querendo ficar mais comigo mesma, guardo-me para dentro das janelas. Olho a vida pela moldura quadrada da minha casa, aberta, claro, para que haja luz. Para que possa ver sem sonhar, sem querer. E talvez deixar deus falar comigo, eu que quase nunca escuto o que é delicado e sutil. Eu que, na noite estrelada e escura, consigo ter medo do mundo se acabar e me perder sem rumo e sem direção. As razões não me ajudam, mas estão lá e aqui, em toda parte. Vou colhê-las quando for colher hortências para enfeitar a casa. Assim, talvez também, possa fazer arranjos lindos, coloridos de azul ou rosa, e melhorar a aparência dos sentidos. Dos sentidos ocultos nos gestos sem sentido. E nesse sem sentido de haver mais emoções que sangue num corpo de mulher.

segunda-feira, 14 de dezembro de 2009

A madrugada é uma mulher exigente

A madrugada é uma mulher exigente. Além de sustentá-la, com meu corpo, tenho também que presenteá-la. Mal chega, me tira da cama para mostrar-lhe tudo que sei fazer. E precisa ser bom. Acorda-me com um sopro no ouvido, leve e doce como uma mulher deve ser. Sua delicadeza é tal que insisto nos meus sonhos. Ela vem de novo me atiçar fazendo cócegas nas pernas. Então me rendo. Vou logo ao seu encontro antes que me provoque a ponto de não mais me controlar.

Aqui estou apenas para seus caprichos. E mimos. Não deixo de atendê-la em absolutamente nenhum de seus pedidos. Depois, mesmo que não me peça, realizo tudo da noite anterior que mais lhe agradou. E sigo feliz assim acordando para ser dela, inteiramente dela. Com ou sem abusos, e ela é sempre abusada. Toda enfeitada de estrelas, e ainda vestida de estrela da manhã, apenas para que eu a desfaça. Sua nudez me encanta e por fim estou completamente entregue, desejando o seu desejo.

Vou com ela sim. É só que me chame, vou. Quero puxar um cobertor para proteger-me do frio e ela me demove, lânguida, para que a abrace e me esquente. Abraço de corpo inteiro, colado, pulsante, que esquenta o peito com relâmpagos elétricos na boca do estômago. Arrepios, não mais de frio, percorrem minha pele. A respiração profunda e rápida acelera ainda mais. Então, satisfeita com os resultados de sua investida, vira-se de costas para que beije seu pescoço escondido sob seus cabelos soltos. Instiga-me até que me canse e eu queira também um beijo. E ela não dá.

É um veneno. Libera em meu sangue todo desejo que há e me deixa, sua voz de travesseiro me perturbando. É como estou agora, só e acompanhando a chuva lá fora, gota a gota, caindo sobre as pedras. Sem enxergar nada posto que ainda está escuro. E sem derrubar uma lágrima sequer apesar da hora.

Agora, velo seu sono aquietada. Se não posso tê-la de outra forma, que seja velando seus sonhos, zelando para que não lhe acordem, amando em silêncio e feliz porque sei que é meu o seu amor também. Quando começa a clarear, por fim, dou-me por vencida, levanto e faço-lhe o café para que não saia sem comer nada. Gosta de tudo, dá-me um beijo que tanto quis e se vai com um vestido de bruma comprido arrastando uma calda tênue até deixar a manhã em seu lugar. Um abajur colorido aceso vai trocando as cores antes escuras pelos azuis que viram luz.

Completamente enamorada, finalmente me viro de lado e durmo sonhando com sua volta. Talvez um encontro furtivo no meio do dia, talvez me apareça com biscoito no meio da tarde, ou quem sabe traga-me chocolates ao cair da noite. Às vezes me atende o chamado e chega repentinamente. Nosso amor é assim, repleto de desejo e atenção, salvaguardando a paixão. E a cada vez que a flor murcha pelo tempo, nasce outra mais linda e perfumada que a anterior. Flor delicada que carrego secretamente no peito sem despetalar e sem deixar perder a cor, insone e insana.

domingo, 13 de dezembro de 2009

Uma paisagem pela janela

Gosto muito de morar sozinha. Fico simplesmente muito bem. Acordo, acerto o travesseiro e me recosto, um pouco deitada ainda me acostumando com a vida que começa a despertar comigo. Um gato no peito ronronando se confunde com meus sons da manhã, ainda manhosa. Um outro ao lado, quase indiferente, me mostrando que tudo pode estar bem em silêncio e com sono. Às vezes, abro a janela e saúdo as cachorras do quintal, uma a uma, antes de ir para o outro cômodo. A hora não importa.

Pela janela olho o lá fora verde, verde e verde, vários tons que se distinguem pelo que são. A vida crescendo selvagem como dá para ser num quintal com mato e Deus plantados juntos. E ervas que cheiram porque é muito melhor quando há aromas no ar. Os aromas levam a lembranças doces ou azedas, amargas ou inesquecíveis. O resto é flor. Flor que ilumina tal qual o sol, mas hoje que não há sol, as flores são o sol do meu dia. Vermelhos e laranjas e amarelos com roxos e azuis. Essa visão me faz até pensar que sou assim simples como tudo que cresce no meu quintal, tudo que medra à frente e por dentro. Tudo que avança sem pedir licença e sem ser convidado. Simples assim.

Pela janela que vira para o horizonte de montanhas sinto a brisa fresca e úmida chegando, ela me põe no mundo de terra e pedra, me interna na terra. Às vezes, quando voamos por muito tempo, precisamos nos plantar fortemente na terra de casa. A terra da nossa casa sempre tem o cheiro reconhecível da proteção, do aconchego. Para mim, especialmente, voltar para casa é como retornar ao paraíso. Aqui não preciso usar folhas de videira para disfarçar minha consciência de mim mesma. As cercas são limites porque na terra tudo tem limites. O horizonte é um limite, as águas que desenham a topografia são um limite. Viver, mas viver bem, dentro dos limites sabendo o momento de rompê-los, remarcá-los, demarcá-los, esse sim é o verdadeiro desafio quando voltamos do vôo.

Eu vôo pouco, vou dizer, pouco pelo que fico fora do ar. De vez em quando me transformo em um gavião, um falcão, um carcará, sei lá, e subo as alturas além das montanhas olhando a vida de cima para não me deixar impactar demais com os detalhes. Detalhes são lindos para quem desenha ou pinta. Mas a roda que gira sobe e desce continuamente, e no detalhe é apenas confusão e loucura. De cima não, de cima ela segue uma direção, vai para algum lugar, perto ou longe, a se perder de vista ou visível, não importa tanto, mas vai para um lugar. Depois, isso ajuda a compreender sem ter que pensar muito. Não deve ter sido à toa que Deus pôs o pensar na cabeça, que é pequena, longe do corpo, que é todo o resto, ligado como estão somente por um tênue pescoço. Pra que pensar, meu Deus, você que soube fazer toda essa pintura mágica que é a criação, volátil e flexível, transformadora e transformada ininterruptamente, porque que pensar?

Pensar faz doer o corpo, às vezes, quando ele se auto-declara o rei da criação. Imagina se o cérebro fosse o ápice da criação, que beleza haveria na contemplação de uma cachoeira ou de uma árvore frondosa de mil anos, ou cem, ou 10 ou 1, uma árvore qualquer com frutos ou sem, com flores ou sem, que as folhas caem ou não, que são verdes ou não, essas infinidades de possibilidades insuspeitas e surpresas a cada olhar. Não, o rei da criação é o coração que olha com as mãos, que colhe com a boca, que sacia com a saliva e apazigua com o olhar. O rei é o coração que desenha sorrisos francos e abertos, sem medo, simplesmente porque ama. E eis que esse é o melhor motivo para ter havido criação.

terça-feira, 8 de dezembro de 2009

Não posso mais

Não posso mais continuar acordando de madrugada apenas para reconhecer que chove. Chove, chove, chove. Chove incansavelmente lavando a terra e a alma de todos os pecados cometidos e por cometer, todas as boas intenções e as más também, todos os sonhos de querer bem ou mal. Até mesmo eu escorro um pouco da cama, meus pensamentos virando uma massa indistinta dos meus sentimentos misturando com meus instintos mais primitivos. Queria não ligar a mínima para as regras, as convenções passageiras, mas elas suportam o telhado que me protege da chuva. E não vai parar de chover.

Esse é o jeito que a noite escolheu para me castigar, sei bem, de toda a felicidade que sinto de dia sem culpa alguma. O prazer inalcançável que o desejo sente em mim e, quando ao alcance, incompleto.

Vou juntar com os pés um pouco das folhas caídas das árvores para represar a água que cai. Quem sabe assim, ao transbordar com força e cegamente, leve o que quer que seja no meu peito se enraizando com força e cegamente. Ou talvez seja eu a me apegar àquilo que – desorientado – ainda assim me traga para a vida, sangue quente para as veias, e o olhar honestamente brilhante.

Eu não sei porque a chuva à noite. As noites foram feitas para ocultar o que o dia não conseguiu se abster. Foram feitas dos mistérios que rondam a vida, cheia de paixões incontidas, obedientes e desobedientes, todas as contradições que fazem-na complexa, ambivalente. É como o próprio Deus.

Quero - e não deveria querer - o tempo todo, eis porque não gosto de acordar mais na madrugada, meu último reduto de paz solene. O escuro por companhia é uma sentença que também explica tudo. Terá sido pelo vazio que minha mão procura a sua mesmo depois que acordo assustada?

E eu só queria o alento de um abraço quente nessa hora que não é dia nem é noite mais. Minha busca por pilares seguros em que possa me encostar para poder seguir em frente. Levantar agora vai ser só por revolta. Pura revolta com esse pensar ininterrupto que invade os sonhos. Tem coisas que o querer procura e que não se encaixa com a vida que se leva. Tento achar ordem onde não tem? Ou tento impor aos meus sentimentos uma moldura inapta e insincera, mas certa, para evitar o fim do mundo, às vezes tão próximo de mim? Por resposta, mais chuva.

Coincidências

Será que todas coincidências são divinas? Haverá aquelas que são apenas a tentação, o mal que vem nos testar os princípios, os sentidos, as emoções? Quando é que o cruzar de dois caminhos pode e deve ser apenas um cruzamento passageiro, para não ser levado a sério – ou a sério apenas num curto tempo -, para não abater a ave em pleno vôo, ela que bate as asas tão feliz, deixando o vento soprar-lhe a fronte um murmúrio quase um gemido de prazer?

Ah, a dor que a alegria intensa demais provoca na pele, no estômago, esquentando o peito e fazendo o pulso acelerar. A dor que é estar feliz e parar subitamente para pensar que esta felicidade é como andar no parapeito da janela do décimo oitavo andar de um prédio, descalço e desprotegido.

Por que será que as coisas intensamente boas têm que vir em par, binômios difíceis de conjugar, tão difíceis como prazer e angústia, como querer e deixar, como falar sem falar pelos olhos que se desviam para não confessar. Minha confissão já é minha sentença.

Eu queria tanto ser absolutamente louca o suficiente para pular de um trampolim tão alto que apenas a confiança de que haja água embaixo é a segurança de que não saltarei em vão. Serei ou não serei tão desatinadamente doida que não ouvirei nada e ninguém, nem minha lucidez estritamente racional me desaconselhando, numa tentativa quase inútil de me demover de agir, de tomar o primeiro gole do que pode ser um veneno ou um elixir.

Eu que sempre creio nas possibilidades beirando a ilusão, a fantasia desordenada de viver como paixão, viver intensamente, viver como se fosse o último dia da vida, eu que tantas vezes me deixei acreditar que nuvens no céu são anjos brincando de pintar, acreditei num sonho idílico, nas margaridas do caminho floreando a passagem, acreditei, meu Deus, que a felicidade pode ser tangível, palpável, eu agora não queria escutar a voz de quem me manda recuar, uma placa com a seta apontando para a razão, para o certo, do outro lado e não do lado que resolvi seguir.

Não, talvez eu esteja apenas tentando flutuar me apoiando num navio que parte noutra direção. Atrelei minha vida ao de um cavalo selvagem, indomável, aquele tipo de emoção que fascina e apavora, enlouquece, entorpece, vicia.

Mas agora, devendo ou não partir, estou presa. Completamente aprisionada de uma tal forma que quanto mais me movo ou me aflijo mais me envolvo e me enrolo. Sobreviverei? Ou talvez não devesse pensar naquilo que não tenho como predizer, pode ser ou não ser, porque são desígnios dourados, sagrados, escritos antes mesmo que houvesse mundo ou que o mundo se soubesse criado. Como saber, meu Deus, se é um presente ou um mistério, apenas uma imagem para ser adorada, querida, apenas um desejo para ser sentido. Até hoje, me bastava sonhar. Mas agora, agora que levantei o pé para o próximo passo e estendi a mão numa procura, tenho que interromper o gesto pois o que tenho é sonho.

segunda-feira, 7 de dezembro de 2009

Já é tarde

Já é tarde mas ainda é cedo para dormir. Então, sento e penso um pouco antes de ceder a tentação de querer, desejar, arder com a chuva fina e fria que cai lá fora. Fria e indiferente de mim, cai e passa como se me visse sempre, sem mudanças.

Mudei, bem sei, subi a montanha que parecia intransponível e atravessei o túnel sem certeza do caminho. Mudei de casa para uma outra que me conforta quando chego e me acolhe quando chove, como hoje. O frio úmido da rua me lembra que já tive as mãos frias também. O passado se encarrega de passar enquanto olho apaixonada para as estrelas que estão atrás da chuva que cai. Elas são meu amanhã.

Será que a estrela da manhã me quererá? Será que aceitará meu silêncio quando me pergunta o que quero? Meu silêncio em resposta àquilo que sei me entregará, me mostrará nua e desprotegida, tal qual sou e tal qual sinto. O silêncio que é minha melhor resposta para todas as perguntas que me tocam profundamente. E que levará algum tempo para eu reunir as palavras que expressem fiel e integralmente o meu sentir assim.

Mas eu também tenho meu sorriso em resposta. E eis que nele concentro todo o meu coração desatinado e desobediente imprudentemente otimista. Mais uma vez latejante como não via há tempos, trêmulo sem ser de frio. Um tanto impulsivo, um tanto medroso, chefia uma revolução que me desarma. Eu, que acabei de voltar do front, que precisei pegar em armas para me defender, faço das trincheiras de agora uma forma de plantar flores para velar o deus da guerra que se foi.

Enfim, o sono me vence. Vou dormir sabendo que não serei desperta por um beijo encantado, mas pelo hálito fresco da manhã que desmancha todas as ilusões da noite. Que sopra para longe os devaneios dos sonhos inacabados, deixando uma sensação no ar de que tudo pode ser.

Acordei na madrugada

Acordei na madrugada para surfar o futuro. Fui na onda deixando-me levar ainda um pouco tímida, um pouco instável, a primeira vez que tento me equilibrar em pé no mar. O mar de enlevos e cristalino, que me anuncia sem falar, que me aponta sem tocar. Enfim o sonho acordado de uma noite já dormida em que tudo é o porvir, por-ser, por-encantar.

O bom de sonhar o futuro, assim de olhos abertos, despertos, é que tenho opção de vê-lo alegre e feliz, ou não. De sentir o perfume de camélias que fazem chá também, de ver o colorido pungente de nastúrcios amarelos e vermelhos e laranjas no meio de sua roupagem verde, de sentir o calor do sol amenizado pela brisa fria do sombreado que as árvores fazem sob a sinfonia de pássaros, todos eles afinados, cada um a sua própria melodia.

Então, ao invés de perder o humor por ter que me levantar antes da hora, sento na cama e me permito sorrir sem ser vista, o escuro ainda por todo o quarto. O gato ronrona de prazer, mas ainda dormindo. E o mar se abre para eu passar.

Existem noites em que é quase impossível andar sobre a água, em que é quase inalcançável o fruto proibido, que quase não consigo beber do cálice sagrado. Mas outras ainda existem em que tudo é permitido, tudo é fácil e sem escrúpulos, tudo é desimpedido e livre. Limpo de cabeça e coração. Como no tempo em que não havia pecados, que não havia certo e errado, e que as pessoas viviam sem julgar, sem morrer.

Penso num futuro que pode ser e o destino inevitável de tudo. O sem-fim e o horizonte margeando tudo. Tudo de forma absoluta e relativa, difícil de entender com a cabeça, apenas o coração sentindo. As decisões repletas de medos e fascínios, de enigmas e cartas marcadas. Um frio na boca do estômago me lembra de que acordei e um tremor leve percorre todo meu corpo.

Ai, errar faz parte, mas eu não queria. Eu queria escolher apenas as flores mais lindas, mais perfumadas e mais coloridas para encher meu peito de alegria, e meus olhos da luz de mais um dia que amanhece tão certo quanto pode ser um amanhã sonhado.

sexta-feira, 4 de dezembro de 2009

Agora que sei seu nome

Agora que sei seu nome vou repeti-lo como um mantra pois ele traz alegria aos meus olhos e brilho ao meu sorriso. Vou repetir em pensamento para que a brisa - só a brisa e não o vento - possa espalhar baixinho e com ternura para todos ouvidos atentos que seu nome faz nascer um sol no peito.

Vou pronunciando seu nome lenta e exaustivamente até me perder de mim e não restar senão um som no ar em torno, como um respirar leve e solene, um som que se propaga feito semente, mas que é flor de lis, perfume e luz, uma onda de calor que invade o corpo e reconforta, apazigua.

Quase me afogo nessa vontade insuportável de gritar seu nome, de chorar e gargalhar o incontido riso de prazer que me acompanha todo o tempo desde que toquei o seu mistério, toquei o céu da boca com a língua e ouvi a música que cria a vida e sopra-lhe alma, um oboé doce e rítmico, mágico.

E a cada vez, a cada som, deixo-me invadir pelo aroma da canela, do sândalo, da mirra e do benjoim que queimo de encostar no corpo a brasa de um amor sem medo, um amor sem fim, que eu nunca soube que amava ou amaria.

Uma dança, ao som do seu nome, me coloca em transe leve, leve, leve, me dá asas abertas enérgicas para o vôo fluído, deslizando nuvens e algodão, um balé de passos nas pontas dos pés, meus olhos fechados me deixando ir, me libertando.

A liberdade é seu nome repetido em prece num tempo que não passa e em que nada falta, saciando minha fome de pão e vinho, minha sede de significados e sentidos. Liberdade, enfim, que não ousava acreditar existir, e é meu sangue correndo nas velas acesas. Nesse sussurrar vou caminhando protegendo a chama de se apagar por descuido meu, iluminando os cômodos da casa que vou adentrando. Assim, vou voltando para casa paulatinamente, só de saber seu nome.

quinta-feira, 3 de dezembro de 2009

Não protegi seu nome por amor

Não protegi seu nome por amor. Sobretudo, não protegi seu nome quando não expus as mágoas que me ligavam a ele. Apenas me camuflei atrás de uma capa de invisibilidade tentando não me mostrar frágil, perdida, confusa. Por quanto tempo agüentaria ainda o meu silêncio incontido de desespero e angústia? Angústia por não me reconhecer mais. Por não me entender mais. Por ser apenas uma dor transformada em corpo.

Não, não protegi seu nome. Apenas deixei de nominá-lo, deixei de falar a dor que sentia estar só, repentinamente só, só como tantas vezes havia me sentido antes, mas que pensava nunca mais me sentiria. Seu nome em vão silenciei para não abrir as veias ainda pulsantes do meu coração. Ele que estava vivo e doendo.

Mas eu não podia mais. Não podia mais com aquela emoção feita concreto e dura pesando no peito. Não podia mais suportar submeter-me a uma vontade que não era a minha. E qual é minha vontade, onde pus meu desejo? Onde esqueci minhas digitais, meus olhos, minha sombra?

Calei-me da dor infligida tantas e tantas vezes pelo seu amor insuportável e melancólico, eu tantas e tantas vezes insuportável e melancólica, que nem soube o que gritar quando minha garganta pediu um sopro. Perdi o fôlego, perdi a cor, perdi a vez. Depois, era tarde como tarde fica o dia após caminhar o sol por todo o céu. As voltas que dei me fizeram perder o rumo.

Não protegi seu nome por amor, apenas me protegi de mim esse tempo todo em que consegui me esconder, e me refugiar na bondade alheia, na compaixão alheia, alheia ao despertar mole e indefeso do não-herói. Eu, mortal e falho como qualquer outro, igual, semelhante, par.

E, se usei da compreensão para justificar uma mentira, não menti o amor nem menti pra mim, apenas, meu deus, apenas ganhei tempo para conseguir suportar estender a mão e pedir por mim.