Não posso mais continuar acordando de madrugada apenas para reconhecer que chove. Chove, chove, chove. Chove incansavelmente lavando a terra e a alma de todos os pecados cometidos e por cometer, todas as boas intenções e as más também, todos os sonhos de querer bem ou mal. Até mesmo eu escorro um pouco da cama, meus pensamentos virando uma massa indistinta dos meus sentimentos misturando com meus instintos mais primitivos. Queria não ligar a mínima para as regras, as convenções passageiras, mas elas suportam o telhado que me protege da chuva. E não vai parar de chover.
Esse é o jeito que a noite escolheu para me castigar, sei bem, de toda a felicidade que sinto de dia sem culpa alguma. O prazer inalcançável que o desejo sente em mim e, quando ao alcance, incompleto.
Vou juntar com os pés um pouco das folhas caídas das árvores para represar a água que cai. Quem sabe assim, ao transbordar com força e cegamente, leve o que quer que seja no meu peito se enraizando com força e cegamente. Ou talvez seja eu a me apegar àquilo que – desorientado – ainda assim me traga para a vida, sangue quente para as veias, e o olhar honestamente brilhante.
Eu não sei porque a chuva à noite. As noites foram feitas para ocultar o que o dia não conseguiu se abster. Foram feitas dos mistérios que rondam a vida, cheia de paixões incontidas, obedientes e desobedientes, todas as contradições que fazem-na complexa, ambivalente. É como o próprio Deus.
Quero - e não deveria querer - o tempo todo, eis porque não gosto de acordar mais na madrugada, meu último reduto de paz solene. O escuro por companhia é uma sentença que também explica tudo. Terá sido pelo vazio que minha mão procura a sua mesmo depois que acordo assustada?
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