domingo, 13 de dezembro de 2009

Uma paisagem pela janela

Gosto muito de morar sozinha. Fico simplesmente muito bem. Acordo, acerto o travesseiro e me recosto, um pouco deitada ainda me acostumando com a vida que começa a despertar comigo. Um gato no peito ronronando se confunde com meus sons da manhã, ainda manhosa. Um outro ao lado, quase indiferente, me mostrando que tudo pode estar bem em silêncio e com sono. Às vezes, abro a janela e saúdo as cachorras do quintal, uma a uma, antes de ir para o outro cômodo. A hora não importa.

Pela janela olho o lá fora verde, verde e verde, vários tons que se distinguem pelo que são. A vida crescendo selvagem como dá para ser num quintal com mato e Deus plantados juntos. E ervas que cheiram porque é muito melhor quando há aromas no ar. Os aromas levam a lembranças doces ou azedas, amargas ou inesquecíveis. O resto é flor. Flor que ilumina tal qual o sol, mas hoje que não há sol, as flores são o sol do meu dia. Vermelhos e laranjas e amarelos com roxos e azuis. Essa visão me faz até pensar que sou assim simples como tudo que cresce no meu quintal, tudo que medra à frente e por dentro. Tudo que avança sem pedir licença e sem ser convidado. Simples assim.

Pela janela que vira para o horizonte de montanhas sinto a brisa fresca e úmida chegando, ela me põe no mundo de terra e pedra, me interna na terra. Às vezes, quando voamos por muito tempo, precisamos nos plantar fortemente na terra de casa. A terra da nossa casa sempre tem o cheiro reconhecível da proteção, do aconchego. Para mim, especialmente, voltar para casa é como retornar ao paraíso. Aqui não preciso usar folhas de videira para disfarçar minha consciência de mim mesma. As cercas são limites porque na terra tudo tem limites. O horizonte é um limite, as águas que desenham a topografia são um limite. Viver, mas viver bem, dentro dos limites sabendo o momento de rompê-los, remarcá-los, demarcá-los, esse sim é o verdadeiro desafio quando voltamos do vôo.

Eu vôo pouco, vou dizer, pouco pelo que fico fora do ar. De vez em quando me transformo em um gavião, um falcão, um carcará, sei lá, e subo as alturas além das montanhas olhando a vida de cima para não me deixar impactar demais com os detalhes. Detalhes são lindos para quem desenha ou pinta. Mas a roda que gira sobe e desce continuamente, e no detalhe é apenas confusão e loucura. De cima não, de cima ela segue uma direção, vai para algum lugar, perto ou longe, a se perder de vista ou visível, não importa tanto, mas vai para um lugar. Depois, isso ajuda a compreender sem ter que pensar muito. Não deve ter sido à toa que Deus pôs o pensar na cabeça, que é pequena, longe do corpo, que é todo o resto, ligado como estão somente por um tênue pescoço. Pra que pensar, meu Deus, você que soube fazer toda essa pintura mágica que é a criação, volátil e flexível, transformadora e transformada ininterruptamente, porque que pensar?

Pensar faz doer o corpo, às vezes, quando ele se auto-declara o rei da criação. Imagina se o cérebro fosse o ápice da criação, que beleza haveria na contemplação de uma cachoeira ou de uma árvore frondosa de mil anos, ou cem, ou 10 ou 1, uma árvore qualquer com frutos ou sem, com flores ou sem, que as folhas caem ou não, que são verdes ou não, essas infinidades de possibilidades insuspeitas e surpresas a cada olhar. Não, o rei da criação é o coração que olha com as mãos, que colhe com a boca, que sacia com a saliva e apazigua com o olhar. O rei é o coração que desenha sorrisos francos e abertos, sem medo, simplesmente porque ama. E eis que esse é o melhor motivo para ter havido criação.

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