Eu acredito
em Deus. Aquele que criou todas as formas de vida, as pessoas que concordam
comigo e as que discordam, aqueles que eu prezo e os que nem tanto. Que criou
as pessoas que um dia passaram pela minha vida fazendo dos meus dias alegres ou
tristes, intensos ou leves, e dos quais eu também participei permitindo que
fossem o que queriam ser. Mesmo nos momentos em que eu não entendia nada. Mesmo
naqueles em que eu sabia tudo.
Acredito em
deus. Que ele, ao criar todos os personagens que interagem nessa peça, o fez
sem concluir o roteiro. Permitiu de forma bastante original que os atores
mudassem cenas, alterassem falas, criassem suas próprias marcações no palco. Um
deus que me deixa errar o momento de entrar. Me deixa errar o passo. Que faz
vistas grossas para meus desatinos, meus erros de percurso. A mim e todos os
outros que contracenam. Não adianta você olhar da coxia e achar que está tudo
errado. Ele não interrompe a sessão. Ele não edita sozinho depois.
Sim,
acredito num deus da mesma forma como acredito em cada célula do meu corpo, em
cada neurônio que responde imediatamente a cada pensamento que sequer percebi
que estava tendo. Como acredito que haja um universo imenso, repleto de mundos
e seres que os habitam, seres diferentes de mim, que não choram ou riem, ou que
temem e têm frio. Como há pessoas diferentes também onde vivo. Pessoas diferentes
frente às suas respostas. Mas não importa, porque não tem um gabarito. Não tem
um modelo.
E porque
acredito em deus sei que tenho uma bússola interna me indicando a direção. É certo
que nem sempre eu sigo. Nem sempre eu aceito. E, na maior parte das vezes, não
entendo nada. Não é uma decisão. É apenas um sinal. A estrela polar. Uma constelação.
A posição do sol. Algo que me aponta onde estão as traves para que eu chute a
bola.
Mas e se
deus não existir? E se esse for mais um dos meus enganos? E se não sou mais do
que uma peça num grande quebra-cabeças que despencou da mesa por um braço
descuidado? E se toda essa inteligência que vejo no mundo não for senão um
reflexo torto do que meus olhos querem ver? Uma ilusão que chamo de realidade,
um sonho que se apresenta como verdade?
Se deus não
existir, repentinamente todo o meu mundo se resumirá em peças aleatórias que se
encontram por acaso. Não desenham gestos, não encenam dramas. Não são mais
personagens de coisa alguma, dado que não há roteiro, mesmo que incompleto, a
ser criado. E quem sou nesse emaranhado de fios e teias caminhando ou parando
pelos nós é apenas uma célula com um fim em si. Um fim que recrio a cada
instante, a cada passo que dou. Ou não.
Posso escolher
haver ou não um deus, ser ou não uma criatura co-criadora. Posso escolher essa
ou aquela peça para encenar, esse ou aquele personagem mais simpático. Posso achar
que faço escolhas inclusive. Tudo isso porque penso. Porque tenho uma mente
autoconsciente. E isso não é nenhum prêmio porque fui boazinha a vida toda,
porque não fui. Não sou melhor que qualquer outro animal do planeta. Então,
quando volto a mim para me deparar com um ser dentre milhares em milhares e
milhares de planetas num universo que é um dentre quantos?, então naturalmente
me tranquilizo e vou dormir bem. Em seus braços.