quarta-feira, 27 de janeiro de 2016

Acreditar é melhor que sofrer

Eu acredito em Deus. Aquele que criou todas as formas de vida, as pessoas que concordam comigo e as que discordam, aqueles que eu prezo e os que nem tanto. Que criou as pessoas que um dia passaram pela minha vida fazendo dos meus dias alegres ou tristes, intensos ou leves, e dos quais eu também participei permitindo que fossem o que queriam ser. Mesmo nos momentos em que eu não entendia nada. Mesmo naqueles em que eu sabia tudo.

Acredito em deus. Que ele, ao criar todos os personagens que interagem nessa peça, o fez sem concluir o roteiro. Permitiu de forma bastante original que os atores mudassem cenas, alterassem falas, criassem suas próprias marcações no palco. Um deus que me deixa errar o momento de entrar. Me deixa errar o passo. Que faz vistas grossas para meus desatinos, meus erros de percurso. A mim e todos os outros que contracenam. Não adianta você olhar da coxia e achar que está tudo errado. Ele não interrompe a sessão. Ele não edita sozinho depois.

Sim, acredito num deus da mesma forma como acredito em cada célula do meu corpo, em cada neurônio que responde imediatamente a cada pensamento que sequer percebi que estava tendo. Como acredito que haja um universo imenso, repleto de mundos e seres que os habitam, seres diferentes de mim, que não choram ou riem, ou que temem e têm frio. Como há pessoas diferentes também onde vivo. Pessoas diferentes frente às suas respostas. Mas não importa, porque não tem um gabarito. Não tem um modelo.

E porque acredito em deus sei que tenho uma bússola interna me indicando a direção. É certo que nem sempre eu sigo. Nem sempre eu aceito. E, na maior parte das vezes, não entendo nada. Não é uma decisão. É apenas um sinal. A estrela polar. Uma constelação. A posição do sol. Algo que me aponta onde estão as traves para que eu chute a bola.

Mas e se deus não existir? E se esse for mais um dos meus enganos? E se não sou mais do que uma peça num grande quebra-cabeças que despencou da mesa por um braço descuidado? E se toda essa inteligência que vejo no mundo não for senão um reflexo torto do que meus olhos querem ver? Uma ilusão que chamo de realidade, um sonho que se apresenta como verdade?

Se deus não existir, repentinamente todo o meu mundo se resumirá em peças aleatórias que se encontram por acaso. Não desenham gestos, não encenam dramas. Não são mais personagens de coisa alguma, dado que não há roteiro, mesmo que incompleto, a ser criado. E quem sou nesse emaranhado de fios e teias caminhando ou parando pelos nós é apenas uma célula com um fim em si. Um fim que recrio a cada instante, a cada passo que dou. Ou não.

Posso escolher haver ou não um deus, ser ou não uma criatura co-criadora. Posso escolher essa ou aquela peça para encenar, esse ou aquele personagem mais simpático. Posso achar que faço escolhas inclusive. Tudo isso porque penso. Porque tenho uma mente autoconsciente. E isso não é nenhum prêmio porque fui boazinha a vida toda, porque não fui. Não sou melhor que qualquer outro animal do planeta. Então, quando volto a mim para me deparar com um ser dentre milhares em milhares e milhares de planetas num universo que é um dentre quantos?, então naturalmente me tranquilizo e vou dormir bem. Em seus braços.

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