quinta-feira, 18 de fevereiro de 2016

Amanhã vai ser outro dia

Eu não estou preparada para a perda. É sempre um impacto. Preciso de tempo para mudanças. Preciso de sentir um pouco antes de conseguir pensar. Olho para o vazio que ficou e paro. Meu coração vai aos poucos desacelerando e ficando normal. Meus olhos deixam de olhar de um lado para outro e acalmam. Deixo de segurar o ar no peito, um medo sempre enorme de sufocar. Sento. Espero a saliva voltar para a boca e afinar a língua. Encosto. Os ombros caem um pouco até ficarem no lugar. Respiro fundo.

Perder alguém é como entrar num túnel longo e curvo, onde não há como ver a luz do outro lado. É como mergulhar no mar de noite: escuro e silencioso. É como ficar para trás quando todos se foram. Sinto-me como se tivesse sido traída, abandonada, esquecida. Fiquei. Perdi o trem. Perdi o voo. Perdi o vento que anunciava e me anteciparia se eu tivesse ouvido. Perdi de entender por quê. Tudo fica colossal e descomunal. E eu pequena no meio de tudo.

Não. Não sei perder nada nem ninguém. Eu espero ainda por um tempo que tudo volte ao normal. E o normal era como era. Eu não me conformo, não me conforto, não me convenço. Procuro um sinal, procuro um recado sobre a mesa, um bilhete de adeus. Procuro atrás dos móveis, debaixo do tapete, algum motivo, algum traço perturbador que me indicasse, me prevenisse, que me dissesse apenas que fui eu quem não viu, mas estava lá. Estava lá o tempo todo. Todos os semáforos vermelhos, todas as portas fechadas, todas as ligações não respondidas, não retornadas, todas as vezes que minha mão vagou no vazio estendida.

Ou o inesperado, aquilo que leva para longe os braços do abraço. Aquilo que irrompe pela porta sem ser chamado ou querido, e que afugenta cumprimentos, que corta como faca a carne desavisada. Que leva pra nunca mais o olhar, como névoa que encobre o que havia. E esconde a presença. Deixa apenas a lembrança, tênue, da alegria que vivi.

Ao menos isso. O que vai leva consigo os momentos ruins, desconjuntados, destorcidos, todas as situações de desencaixe. Só fica na lembrança o que deixou marcas boas, o sorriso repentino, o olhar de aconchego. Ficam as tardes de sol, os passeios em que o silêncio refletia cumplicidade; ficam cotidianos de filmes e livros e jantares e amigos. A vida, enfim. O bom da vida.

Então, nesse passar do tempo, o vazio vai se preenchendo de novo. Não mais com o movimento de outrora. Mas com fotografias vivas das emoções que ficaram. Ficaram retidas na retina e que apenas uma pincelada inadvertida de alguém pode mostrar. Ou ficam presas na pele e talvez, numa noite de leitura, algumas centenas de palavras espalhadas por um pacote de folhas de papel possam demonstrar.

E nesse tempo, um novo vem habitar os minutos que contam. Uma nova lufada de vento. Uma tempestade que arrasa tudo e deixa o vazio limpo, desobstruído. Ou um rio crepitante como uma fogueira, mas sempre correndo. E, de repente, como se nada tivesse acontecido, percebo que a vida continuou, intacta e conecta. Que as pessoas seguiram seu ritmo e inclusive eu, que pensei que morreria, que dramaticamente chorei e sofri, estou firme e forte olhando pela janela em busca do novo horizonte.

Eu não sei perder e por isso, a cada perda, ainda sinto falta de outra forma de resolver as dificuldades. Ainda penso que existe um jeito de contornar e se restabelecer. Apenas a morte fica ali me acenando dizendo para que tenha calma. Tudo morre em algum momento. Só o que já morreu há muito tempo mantém-se de pé imutável. A vida passa. A vida muda. A vida revive, semente de uma nova planta. De um novo amanhã.

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