Eu não estou preparada para a perda. É sempre um impacto. Preciso
de tempo para mudanças. Preciso de sentir um pouco antes de conseguir pensar. Olho
para o vazio que ficou e paro. Meu coração vai aos poucos desacelerando e
ficando normal. Meus olhos deixam de olhar de um lado para outro e acalmam. Deixo
de segurar o ar no peito, um medo sempre enorme de sufocar. Sento. Espero a
saliva voltar para a boca e afinar a língua. Encosto. Os ombros caem um pouco
até ficarem no lugar. Respiro fundo.
Perder alguém é como entrar num túnel longo e curvo, onde
não há como ver a luz do outro lado. É como mergulhar no mar de noite: escuro e
silencioso. É como ficar para trás quando todos se foram. Sinto-me como se
tivesse sido traída, abandonada, esquecida. Fiquei. Perdi o trem. Perdi o voo. Perdi
o vento que anunciava e me anteciparia se eu tivesse ouvido. Perdi de entender
por quê. Tudo fica colossal e descomunal. E eu pequena no meio de tudo.
Não. Não sei perder nada nem ninguém. Eu espero ainda por um
tempo que tudo volte ao normal. E o normal era como era. Eu não me conformo,
não me conforto, não me convenço. Procuro um sinal, procuro um recado sobre a
mesa, um bilhete de adeus. Procuro atrás dos móveis, debaixo do tapete, algum
motivo, algum traço perturbador que me indicasse, me prevenisse, que me
dissesse apenas que fui eu quem não viu, mas estava lá. Estava lá o tempo todo.
Todos os semáforos vermelhos, todas as portas fechadas, todas as ligações não
respondidas, não retornadas, todas as vezes que minha mão vagou no vazio
estendida.
Ou o inesperado, aquilo que leva para longe os braços do
abraço. Aquilo que irrompe pela porta sem ser chamado ou querido, e que afugenta
cumprimentos, que corta como faca a carne desavisada. Que leva pra nunca mais o
olhar, como névoa que encobre o que havia. E esconde a presença. Deixa apenas a
lembrança, tênue, da alegria que vivi.
Ao menos isso. O que vai leva consigo os momentos ruins,
desconjuntados, destorcidos, todas as situações de desencaixe. Só fica na
lembrança o que deixou marcas boas, o sorriso repentino, o olhar de aconchego. Ficam
as tardes de sol, os passeios em que o silêncio refletia cumplicidade; ficam
cotidianos de filmes e livros e jantares e amigos. A vida, enfim. O bom da
vida.
Então, nesse passar do tempo, o vazio vai se preenchendo de
novo. Não mais com o movimento de outrora. Mas com fotografias vivas das
emoções que ficaram. Ficaram retidas na retina e que apenas uma pincelada
inadvertida de alguém pode mostrar. Ou ficam presas na pele e talvez, numa
noite de leitura, algumas centenas de palavras espalhadas por um pacote de
folhas de papel possam demonstrar.
E nesse tempo, um novo vem habitar os minutos que contam. Uma
nova lufada de vento. Uma tempestade que arrasa tudo e deixa o vazio limpo,
desobstruído. Ou um rio crepitante como uma fogueira, mas sempre correndo. E,
de repente, como se nada tivesse acontecido, percebo que a vida continuou,
intacta e conecta. Que as pessoas seguiram seu ritmo e inclusive eu, que pensei
que morreria, que dramaticamente chorei e sofri, estou firme e forte olhando
pela janela em busca do novo horizonte.
Eu não sei perder e por isso, a cada perda, ainda sinto
falta de outra forma de resolver as dificuldades. Ainda penso que existe um
jeito de contornar e se restabelecer. Apenas a morte fica ali me acenando
dizendo para que tenha calma. Tudo morre em algum momento. Só o que já morreu
há muito tempo mantém-se de pé imutável. A vida passa. A vida muda. A vida
revive, semente de uma nova planta. De um novo amanhã.
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