Encontro bilhetes pela casa do tempo em que era par e o amor era uma ilusão que pairava no ar. Bilhetes que hoje me premiam com uma emoção pensada perdida. Perde-se a paixão e muitas vezes com ela vão-se as promessas – exageradas – de amor eterno. Todo o cuidado do mundo numa armadura de proteção para que não morra um sentimento que, por ser sentimento, passará, perderá a força, irá se transformando em outro.
Esse era um tempo em que orgulhosamente eu ostentava ser a primeira pessoa do plural. Quem era eu? O que queria? Não importava. O que importava era que nós não gostamos, nós não íamos, nós fizemos, nós tínhamos, nós pensamos. Era ofensivo usar o singular como se roubasse o papel do outro na minha vida. Era injusto e até poderia levar a noites inteiras de intermináveis discussões sobre o par, sobre haver amor em atitudes independentes.
Não, não poderia haver amor em não precisar do outro. Não haveria amor em quem sabe o que quer sem pensar no outro. Era como estar desidratado; era como estar doente. Amor era necessidade de alguém, não um estado de ser. Amor era o nós somos, como ser coletivo. Ai, eu vivia um trem e não sabia.
As emoções do que foi e não foi, do que podia ter sido e não foi, as lembranças dessas emoções vividas num tempo marcado pelos ponteiros do relógio, como marcação de palco, serto e não certo, essas coisas todas batendo no meu peito agora soam como um sino reticente ao longe que faz vibrar ainda uma caixa toráxica oca. Mas não fazem brilhar os olhos, não fazem iluminar as faces.
Fico inquieta com a percepção de que, despida do outro, esteja irremediavelmente nua perante a minha vida. E nua e consciente, serei expulsa do paraíso para onde voltei sendo inteira novamente. O paraíso é um lugar para seres iluminados e não para os que fazem sombra.
Então, num rompante, arremesso ao fogo todos os bilhetes achados pela casa e todos que acharei ainda em livros e gavetas. Queimo-os para sempre. Porque se não há amor eterno onde não há chama, pelo menos haverá chama onde não há mais amor nem terno.