quarta-feira, 25 de novembro de 2009

Imagine um pássaro

Imagine um pássaro dentro da sua casca de ovo, apertado, molhado, espremido e sem saída. Fica tão imobilizado que quase não consegue pensar. Não pode levantar a pata, não pode saber a extensão de sua asa, não estica o pescoço, a cabeça baixa de encontro ao peito.

Ninguém pode fazer nada por ele. Não adianta rezar, pedir ajuda, ninguém vai ouvir. Não vai cair um raio do céu e abrir espaço para ele sair. Não vai acontecer nenhuma mágica, nada especial, nenhuma graça dos deuses. Se ficar esperando, suas penas irão crescer e ficará ainda mais apertado.

Talvez ele pense por que isso está acontecendo com ele. Talvez se pergunte como tudo isso começou. Terá errado em algum momento? É um castigo? Saberá que ter crescido foi a causa do aperto? Quando e como as coisas melhorarão? Haverá saída? Ou passará o resto da vida assim, esmagado pelo seu próprio crescimento? Conseguirá sonhar com o ar puro e frio que sopra lá fora? Conseguirá vislumbrar que perigos ainda o rondarão? Terá medo?

No entanto, lentamente vai crescendo nele uma força que lhe vem da raiva de estar tão impotente e quando menos espera ela o assombra com um impulso mortal, fazendo-o bater-se contra as paredes de sua prisão, a tal ponto que ela começa a se romper. E com tal força ainda ele se arremete que acaba por destruir o que era também sua proteção.

Desamparado, tonto e confuso, vê cair em torno suas amarras e um vento o faz perceber que tem penas molhadas em seu corpo. Abre os olhos ofuscados, não entende nada, mas pode se mexer. Estica a cabeça para além do peito e em frações de segundos compreende como o mar se abre para alguém em busca de liberdade.

Então, imagine um pássaro próximo de dar seu primeiro vôo. Se deus criou a vida, agora ela não precisa mais de deus, só precisa de si mesma.

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