Sim, tenho orgulho de mim. Inteligente, perscrutando os sentimentos mais íntimos em busca de significados. E sentimento tem sentido? Gosto de ver quem sou refletida no espelho que o vidro da janela faz com a luz do dia. Mas, agora que é noite, quem sou? Não posso dizer que gosto de mim sem ferir meus próprios sentimentos de manter-me ofuscada, eclipsada por algo mais brilhante, mais empolgante, mais radiante e sedutor.
De quem gosto suprime-me de alento apenas por existir, distante, ignorante de mim, mas olhando-me casual e rapidamente. Eu não conquisto mais. Eu não caço nem capturo mais. Passei a ser o vento que assiste a tudo e por tudo passa aquecendo com seu sopro frio.
Converso com gatos e com eles resisto bravamente à noite que afunda, atrai-me com cantos de sereia gregoriana, não mergulho, ao invés, fico à beira olhando, olhando, olhando. Se o tempo passa, não amanhece. E sentada à beira, mantenho-me apenas atenta aos sons que o vento faz ao passar por mim.
Sim, sim, eu sei que esbarro em um estado de ser pegajoso e grudento, escuro e profundo, que não entendo e não localizo, parece circular em meu sangue. Parece ser o interior de minhas células. Esbarro nesse que sou eu transformada em espectro, transportada em minha alma, inúmera, olhando, pensando, sentindo, ao mesmo tempo um amontoado de tons e sons. Não faço música, mas me salvaria. Faço ritmos titubeantes e divagantes entre um movimento e outro das minhas mãos. Qual o ritmo do coração agora? De vagar, devagar, divagando.
Minhas noites não são de sonhos. Sonho acordada a maior parte do tempo. Sonho o meu ritmo escolhido aleatoriamente diária e cotidianamente. Sonho o sonho de todos os tempos, o sonho da vida toda. Sonho grande para ter o que me ocupar o dia inteiro. Sonho os amores impossíveis porque eles são para a vida toda. Sonho sem acordar, sem acreditar, no entanto. Já me basta que faça isso o dia todo, à noite tiro para dormir apenas.
E agora que é noite, velo incandescente o meu dormir furtivo e falso. Velo hoje que não tem lua para não precisar ficar aqui quando for lua cheia. Eu sou um vagar de luz no meio da noite e de dia, despercebida, vivo a glória anônima de amar em silêncio.
Mas o que digo? Não existe glória em ser anônimo, não existe sentimento se não houver expressão, como me reconhecer sujeito amante ou amadora se não imprimo nos gestos o meu desejo profundo? O que desejo, esse sim, é o que me transforma. E me transformo naquele que desejo, torno-me objeto de meu desejo, eu mesma esquiva e sedutora, hesitante. (toca o telefone insistentemente, atenderei o seu chamado, coração?).
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