terça-feira, 17 de novembro de 2009

Diz-se de Deus

Diz-se de deus que não fecha uma porta sem abrir outra, e eu quero acreditar nesse deus. Por isso, sento-me para escrever ouvindo a chuva que cai entre trovoadas e a música ao fundo que vem de lá de dentro. Não de dentro da alma, pois que esta está vazia, esperando a outra porta se abrir.

Espera plácida, passiva, pacífica. A mesma espera de quem se atirou no rio correnteza abaixo esperando chegar do outro lado da margem. A espera dos que sopram o machucado que não cicatriza nunca.

A chuva é bruta, barulhenta e torna úmida minha face na janela. Olho e sinto a chuva passando por mim. As folhas das árvores verdejam mais ainda, brilham sua luz do fim de dia como se ouvissem o piano ao fundo.

A vida que se escorre pelas paredes deixa meu rastro por elas. E o crepitar da madeira queimando no fogão me faz lembrar que esta vida é a minha. A lenha que se consome em chama e fumo, calor e sons dançantes, eu.

Não tinha idéia dessa minha realidade sonsa e escorregadia, mole e lenta como a chuva que não pára.

Quero acreditar na chama da vela que anuncia a divindade do fogo, impune e incorruptível, que consome a ilusão até dela não restar senão cinzas revoando ao vento, até só restar o ar quente fumegante e esvaindo-se. Quero acreditar que essa chama é minha alma verdadeira e incógnita, salva e salvadora, redentora do inferno em que estou, escapulário que não uso.

A chuva que engrossa parece querer cobrir minha fala, minha pergunta sem resposta, meu grito sem eco. Não, não sinto paz em pedir perdão, não sinto paz em repetir seu nome, não me encontro comigo o encontro consigo que se faz na prece do silêncio.
Assim, permaneço sozinha a solidão do campo molhado e pingando de chuva. Meu rosto molhado de ouvir um piano ao longe entre trovoadas, a janela aberta para me lavar de chuva. Suspiro quando ele ergue a voz, não o piano reticente, mas o deus mesmo por trás do barulho das nuvens, indo embora, me deixando aqui, apenas me lembrando de si como meu coração que bate teimosamente sem saber porque.

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