quinta-feira, 9 de fevereiro de 2017

Amor Amor Amor

Mas tudo é amor. Do amor absoluto do amigo ao bem querer de um vizinho, um conhecido que sorri quando você passa, do gesto que diz bom dia, por educação, por civilidade, no fundo tudo é amor. Aquele que canta ou pinta ou escreve, o que desenha, projeta ou clinica, todos que trabalham ou criam o fazem por alguém. Aquele que cozinha, constrói ou planta, o faz por amor. Amor que pode receber outros nomes mais modestos, como atenção ou querer bem, mais sublimes como amizade ou abraço, ou pode ser assim expresso, de cara limpa, sem medo de que a vulnerabilidade da exposição possa levar ao abuso, sem meias palavras, ou subterfúgios. Ou pode ser expresso no gesto.

Porque o amor é a enzima necessária para que as relações ocorram. Mesmo as relações comerciais. É verdade que há sócios que entre si praticam dois pesos e duas medidas, tanto quanto os sócios da vida, casados, namorados, apaixonados ou não. É verdade que não comprariam o que vendem pelo preço que pedem. Mas, ainda que amor por si, amam também. Aliás, amar-se é condição imprescindível para que pessoas se relacionem. Aqueles que não têm amor por si, não se respeitam, não se consideram, são como buracos negros, sugando tudo ao redor, e todo o amor que houver lhe será pouco.

Todo mundo ama um pouco mais ou um pouco menos nos diversos momentos da vida. Alguns precisam apagar a luz, deixar o amor na porta, apertar a campanhia e sair correndo. Alguns simplesmente não suportam a proximidade íntima e quase indecente do amor. Não aguentam o tempo que dura um abraço, sem tempo, sem fim. Não resistem ao sorriso insistente no rosto.

Até mesmo aquela pessoa amarga, dura consigo mesma e com os outros, crítica, que não consegue ver a luz por causa da sombra que projeta, um dia já amou ou, em segredo de morte, continua amando, quem sabe, o impossível, o improvável, um sonho inconfessável.

Alguns apenas se comovem na dor, exatamente no momento em que o amor lhes deixa, cansado de esperar uma delicadeza – se é que um dia o amor se cansa. Reconhecem o amor na sua ausência, na solidão da noite, quando tudo o mais se foi e só lhe resta a memória de um bem, a lembrança de um dia.
E todos se vão um dia também. Os filhos seguem sua vida, independente do amor dos pais. Os casados, parceiros, sócios, seguem seu destino em detrimento do outro, com seu brilho próprio, seu crescimento pessoal, juntos ou, às vezes, com suas trajetórias rompidas. Na distância, ainda assim, o amor permanece. E muda de nome para chamar-se saudade.

Saudade não é uma falta. A falta é uma necessidade, uma interpretação, uma significação para o sentimento que está gritando dentro. Não. Saudade é um sentimento sublime, não pede, não cobra, não desenha outras expectativas. Ao invés disso, saudade faz colar o retrato no espelho, faz um sorriso no rosto, espontâneo, instantâneo. Porque toda forma de amar é também uma forma de ser livre.

O amor, enfim, é uma gratidão imensa, completa, pela vida que trança noutras vidas, é o outro nome da felicidade quando você descobre que o silêncio não é um vazio, mas um espaço. Amor é uma tatuagem que a vida faz no peito de todo aquele que descruza os braços. É o perdão. É o relevo no horizonte. Por isso, amar é relevar também.

Eu só não entendo porque o “eu te amo” reverbera como uma pedra amarrada no meu pescoço deixada cair num precipício. Sendo assim leve como voar, por que me arremessa ao fundo, profundo, do abismo? Sendo a palavra que não precisa ser dita, por que ressoa como mistério? E, de todos os sentimentos que empoderam, alargam, definem e libertam, por que justo esse me faz passar os dias e noites como uma presa indefesa e fácil?

A Nova Revolução

A nova revolução – a próxima – é feminina, não tenho dúvidas. Uma revolução sem sangue, sem guerras, sem certo ou errado, porque dessas já estamos fartos. Estamos fartos da racionalidade fria e crítica, insensível, que deixa passar fome, que deixa morrer à míngua países inteiros, culturas, artes, junto com as pessoas que fazem tudo isso existir. Não precisamos mais de heróis que chegam destruindo tudo em nome de um bem maior – deles – sem procurar entender o que é melhor ali, naquele momento. Não queremos mais vencedores em detrimento de qualquer um, de qualquer coisa, de qualquer jeito.

A nova revolução será feminina, certeza, pois esse modelo masculino de construir derrubando florestas, de criar uma civilização escravizando, violentando, sobrepondo-se a outros povos, conquistando, aculturando tudo que é diferente, esse modo de separar o mundo seja pelo critério que for, essa atitude tentou fazer um mundo melhor, mas agora começou a destruir o que construiu.

A revolução será feminina porque a mulher esteve o tempo todo, seja ao lado do herói, seja ao lado dos dominados, vencidos, massacrados, esteve o tempo todo subjugada, inferiorizada, destituída de voz. Foi bruxa, queimada em praça pública, foi megera, histérica, puta, foi culpada pela fraqueza humana, da carne e da mente, foi objeto, usada, violentada, cuspida. E sobreviveu. Ela foi obrigada a despir-se do seu saber natural para abraçar, incorporar e valorizar referências externas, como um povo cuja aldeia foi encampada por um império. Dominada. Discriminada. Forçada a fazer papel duplo, ganhando menos.

O ocidente se gaba de ser um mundo civilizado, moderno, mas até ontem a mulher não podia andar sozinha nas ruas, não sabia ler (ou não podia saber), não votava, não trabalhava por conta própria. Até outro dia, ela não podia trabalhar fora, e se isso foi possível, o foi como a libertação dos escravos: uma necessidade capitalista. Não teve qualquer juízo de valor. Quantas pessoas, ocidentais ou não, olham para uma mulher grávida e pensam realmente que essa pessoa está sacrificando sua vida pessoal, sua autonomia, sua individualidade e sua liberdade, em prol de uma outra vida? Quem, senão uma outra mulher, efetivamente sabe o que isso significa? E mesmo essa mulher, o quanto ela reconhece a importância de seu papel único na vida? Numa atitude empática, acima de todas as críticas, muito além do certo e do errado, do bem e do mal, a mulher que gera um filho está preparada para fazer uma revolução boa para todo mundo.

A revolução será feminina porque essa esteve nos porões dos navios, das casas; permaneceu calada ouvindo; foi posta de lado e isso pode ser seu camarote, muitas vezes. Porque esses valores não foram suplantados com a dominação. O feminino subjacente continua intuitivo, abrangente, sensível. Continua inclusivo, criativo.

Essa nova revolução será feminina porque o feminino está deixando de ser uma questão de gênero, está implodindo o sistema com a criação de novos gêneros, criando o caos necessário para a mudança de perspectiva. É muito claro que essa ameaça já está sendo sentida, só pela força da reatividade geral, numa manobra desesperada dos setores mais conservadores em assumir o poder. E porque nunca quem está no poder faz uma revolução.

A revolução feminina não se faz através de bombas, ataques surpresa, limpeza étnica. Mas no interior das casas, dentro de suas famílias – novas famílias -, olhando com suavidade e doçura para as diferenças, para as fraquezas, porque o feminino não é uma sardinha querendo se tornar tubarão. Ao contrário, ela é uma flor querendo mostrar sua beleza.