Mas tudo é
amor. Do amor absoluto do amigo ao bem querer de um vizinho, um conhecido que
sorri quando você passa, do gesto que diz bom dia, por educação, por
civilidade, no fundo tudo é amor. Aquele que canta ou pinta ou escreve, o que
desenha, projeta ou clinica, todos que trabalham ou criam o fazem por alguém. Aquele
que cozinha, constrói ou planta, o faz por amor. Amor que pode receber outros
nomes mais modestos, como atenção ou querer bem, mais sublimes como amizade ou
abraço, ou pode ser assim expresso, de cara limpa, sem medo de que a
vulnerabilidade da exposição possa levar ao abuso, sem meias palavras, ou
subterfúgios. Ou pode ser expresso no gesto.
Porque o
amor é a enzima necessária para que as relações ocorram. Mesmo as relações
comerciais. É verdade que há sócios que entre si praticam dois pesos e duas
medidas, tanto quanto os sócios da vida, casados, namorados, apaixonados ou
não. É verdade que não comprariam o que vendem pelo preço que pedem. Mas, ainda
que amor por si, amam também. Aliás, amar-se é condição imprescindível para que
pessoas se relacionem. Aqueles que não têm amor por si, não se respeitam, não
se consideram, são como buracos negros, sugando tudo ao redor, e todo o amor
que houver lhe será pouco.
Todo mundo
ama um pouco mais ou um pouco menos nos diversos momentos da vida. Alguns precisam
apagar a luz, deixar o amor na porta, apertar a campanhia e sair correndo. Alguns
simplesmente não suportam a proximidade íntima e quase indecente do amor. Não aguentam
o tempo que dura um abraço, sem tempo, sem fim. Não resistem ao sorriso
insistente no rosto.
Até mesmo
aquela pessoa amarga, dura consigo mesma e com os outros, crítica, que não
consegue ver a luz por causa da sombra que projeta, um dia já amou ou, em
segredo de morte, continua amando, quem sabe, o impossível, o improvável, um
sonho inconfessável.
Alguns apenas
se comovem na dor, exatamente no momento em que o amor lhes deixa, cansado de
esperar uma delicadeza – se é que um dia o amor se cansa. Reconhecem o amor na
sua ausência, na solidão da noite, quando tudo o mais se foi e só lhe resta a
memória de um bem, a lembrança de um dia.
E todos se
vão um dia também. Os filhos seguem sua vida, independente do amor dos pais. Os
casados, parceiros, sócios, seguem seu destino em detrimento do outro, com seu
brilho próprio, seu crescimento pessoal, juntos ou, às vezes, com suas trajetórias
rompidas. Na distância, ainda assim, o amor permanece. E muda de nome para
chamar-se saudade.
Saudade não
é uma falta. A falta é uma necessidade, uma interpretação, uma significação
para o sentimento que está gritando dentro. Não. Saudade é um sentimento
sublime, não pede, não cobra, não desenha outras expectativas. Ao invés disso,
saudade faz colar o retrato no espelho, faz um sorriso no rosto, espontâneo,
instantâneo. Porque toda forma de amar é também uma forma de ser livre.
O amor,
enfim, é uma gratidão imensa, completa, pela vida que trança noutras vidas, é o
outro nome da felicidade quando você descobre que o silêncio não é um vazio,
mas um espaço. Amor é uma tatuagem que a vida faz no peito de todo aquele que
descruza os braços. É o perdão. É o relevo no horizonte. Por isso, amar é
relevar também.
Eu só não
entendo porque o “eu te amo” reverbera como uma pedra amarrada no meu pescoço
deixada cair num precipício. Sendo assim leve como voar, por que me arremessa
ao fundo, profundo, do abismo? Sendo a palavra que não precisa ser dita, por
que ressoa como mistério? E, de todos os sentimentos que empoderam, alargam, definem
e libertam, por que justo esse me faz passar os dias e noites como uma presa indefesa
e fácil?