É engraçado
como a gente se acostuma com o amor cotidiano e nunca expressa a sua
importância. É encabulante. Parece que, por estar ali desde que nascemos, desde
muito tempo, desde sempre, como algo que não poderia não estar, não precisa de
reconhecimento. Não precisa de palavras ou gestos, somente olhares tácitos
rapidamente decodificados.
É como tudo
que é certo: se está certo, não precisa de prenúncio, recomendação ou elogio. O
que está certo, limpo e organizado é uma satisfação sem nome. Como se só o
silêncio pudesse dar a dimensão do prazer. O cuidado que nos é dirigido
diariamente parece não requerer agradecimento, não procura materialização, cênica
ou não, não se transforma em aceno, num piscar de olhos cúmplice.
Não, porque
eu pensaria que era necessária a minha declaração? Não era evidente minha
alegria a cada degrau? Não era explícita minha felicidade a cada aniversário? O
tempo dedicado, um instantâneo da dedicação, marcado como tatuagem na retina,
na minha pele, num espaço exclusivo na lembrança, como se fosse um
prolongamento.
Não faltou
comida, ou quando muito, tudo foi dividido com apuro e justiça. Dos primeiros
passos, quem lembra como foram? Quem lembra quantas vezes caiu e pacientemente
foi levantado para ser instigado a continuar? Quantas tentativas infrutíferas e
quantos sucessos colossais foram registrados por quem diligentemente acompanhou
tudo? Testemunha ocular ou emocional de todo nosso crescimento. Cada pegada,
cada passo, cada tijolo acentado na estrada, no edifício da vida, cada osso da
coluna vertebral que nos pôs em pé, tudo marcado na memória como referência de
si mesma.
Não faltou
curativo, lição tomada, não faltou hora de descanso e hora de dormir, não
faltou saber onde era a trave e onde era o gol. Não faltou o empurrão
derradeiro que nos fez ter que abrir asas e voar. Mesmo quando não sabíamos que
voaríamos. Até mesmo quando ainda não sabíamos qual o propósito de voar.
Agora sei
que preciso expressar. Expressar minha gratidão sem fim, sem começo, sem tempo,
o tempo todo. Expressar que lembro com gratidão a atenção da vida toda. A
presença da vida toda. O acompanhar da vida toda, como a estrela que vela à
noite, mesmo quando chove muito, ou venta muito, ou quando faz silêncio total
no escuro lá de fora. Hoje entendo que meu cotidiano tranquilo ou confiante é
apenas a sombra projetada pelas certezas que me deram suporte, em cada gesto, em
cada momento.
Mesmo na
distância, hoje eu agradeço. Porque a vida tem sido boa. Porque não preciso
carregar o mundo nas costas, sem culpa. Porque tenho motivos para levantar da
cama toda manhã, sem pressa - reconheço - mas levantar para viver o que me proponho
diariamente.
É final de
ano, quase natal, e ainda por cima chove. Configuração perfeita para a
introspecção. A reflexão. E o reconhecimento. Obrigada, obrigada, obrigada,
mamãe, pela abertura, pela liberdade, pela responsabilidade que aprendi na vida,
pela ousadia que me permiti e a transgressão necessária para fazer meu próprio
caminho, significativo e verdadeiro. Obrigada por ser minha casa para onde eu
pudesse voltar se tudo o mais não desse certo. Obrigada, ainda que não tivesse
nada disso, e tive! Obrigada e feliz natal!