Acho que amamos sempre uma pessoa que está dentro
daquela que fisicamente se apresenta para nós. Amamos o que não vemos. O que
está sempre escondido, terno ou delicado, que perdemos dos olhos mas sentimos
com o coração, e que nos faz bem e felizes, sem que possamos nomear ou
reconhecer. Algo que está apenas no cheiro que o ar insinua quando passa uma
aragem. Algo que arrepia a pele ou provoca um tremor, um estremecimento que não
sabemos de onde vem, ou por quê.
Amamos o desconhecido naquele rosto conhecido.
Desejamos o gesto que não se expressa, o toque que não temos, menos por querer
o que não é nosso. Mas porque o que de fato nos afeta em alguém está além dele.
O que nos impacta na presença de uma pessoa é o que ela não diz, é o que ela
não sabe, é certa ingenuidade infantil que ninguém sabe que tem, nem eu nem
ela.
Não amamos a pessoa comum que se faz presente
cotidianamente, que passa o braço pelas nossas costas, ou que estende a mão
quando precisamos. Amamos a que não faz falta, a que podemos passar sem, que
não liga, não pergunta como estamos, não sabemos quem é nem o que pensa, que
ignoramos completamente e que está por trás daquela. Na verdade, não amamos a
sombra projetada quando passa, mas sua luz incógnita, minimamente aparente,
quase apenas sonhada, invisível.
Por que amamos assim, aquilo que não podemos alcançar
ou conter? Por que queremos mais o que está além do toque ou do gosto, que não
faz parte da vida que passa, que não tem tempo ou duração? Por que insistimos
naquilo que não tem explicação ou sentido? Por que procuramos pelo que não nos
é dado? Pelo que nem é secreto posto que não seja sabido por ninguém? Haverá uma
razão a ser entendida?
Porém, todas as formas de amor, desde as mais óbvias ao
afetivo, todas elas expressam esse devaneio: para elas as pessoas amadas são
sempre lindas, inquestionavelmente merecedoras desse amor. Mesmo quando não
são. Quem pode julgar? Existe beleza o
bastante em não haver atrativo algum. Existe até mesmo bondade onde não há
gesto. Poesia concreta. Existe sentido até quando não encaixa, não responde,
não permanece. É uma incógnita. Uma formulação secreta demais, perdida há
muito.
O que encabula, no entanto, é a procura, a busca
paradoxal de sentido onde não há senão vazio, de gesto onde não há sequer vontade,
como se procurasse um fantasma, algo que já foi ou será, mas não é ainda.
O amor, por mais intenso ou surreal que seja, não
salva. Ao contrário, faz perder. Despe. Desorganiza. Desarranja. É essa
desordem que nos faz seguir em frente. É esse caos, esse caldo primordial, o
cordão umbilical repentinamente rompido, o cair no abismo, a falta de limites,
esse estado de ser desconformado do corpo é o que procuramos no outro. O amor é
um suicídio do que pensamos que somos.
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