sexta-feira, 16 de dezembro de 2016

Café, pão e amor

Eu nunca soube o que era amar porque sempre fiquei presa no amor. O amor que preenche todos os pensamentos, completa todas as horas e substitui os sentidos. O amor contido ou derramado, escondido no peito, bombeado para todo o resto por um coração que não se cansa. Amor quieto. Profundo.

O amor não declarado é amor, contudo. O amor acalentado no peito de quem ama, no silêncio dos ventos passando, tarde da noite de olhos abertos no escuro, ou com lua cheia, sentido com a profundidade que todo amor merece, sentido com o corpo todo, com a alma, pelo que já foi e pelo que será, pelo que nunca será, ainda assim, é amor. Mas, ao ser amado, ignorante de assim ser, não será mais que um mistério.

Por isso, não bastará meu desejo de que todas as flores do caminho anunciem o amor incomunicável, não será o suficiente rezar todas as noites para que os anjos protejam o objeto amado. Será preciso que o verbo principie em expressar para que a vida aconteça. Para que, sob os sons das palavras, o amor possa acontecer plenamente.

Na distância e no silêncio, o amor que reina é apenas aquele sentimento universal, impessoal, por todos e por ninguém em especial. Aquele que une, entrelaça, aproxima duas pessoas num abraço amoroso, e que faz delas únicas no mundo, esse amor pede demonstração. Seja pela mão estendida à espera do toque, seja pelo olhar que se cruza num lapso de tempo, num piscar que liga, entende, explica; sejam pelas palavras cunhadas no papel, bilhetes lançados em garrafas ao mar; seja como for, o amor precisa ser anunciado, expressado, escandalizado.

Somente quando rabiscado pelos muros nas ruas, ou cantado em melodias pelo ar, ou murmurado num momento de calma, o amor existe. Somente quando desenhado em cores ou linhas, quando o gesto mudou o calor do entorno, é que o amor se realiza. Antes, ele é um sopro, uma possibilidade de salvação, uma luz. Não adianta estar escrito nas estrelas, num pastel da sorte ou na boca do sapo.

O amor precisa gritar sua existência para que o outro ouça. E, ouvindo, possa então vibrar o que significa. O ser amado precisa ser envolvido pelo abraço, pelas palavras e cores, pelos símbolos do que representa em quem ama. Sem esse clamor, ele murcha, adormece, prescinde. Segue colhendo as flores dos campos sem saber das que faz nascer no peito de alguém.

Assim é o amor. É uma poesia que não precisa de rimas, ou de palavras lindas, de ritmo, ou de sentido. O amor, assim mesmo, precisa clarear sua passagem. Precisa contar sua história, cheia de lacunas, e de palavras lacônicas, monossilábicas, desconexas. Precisa da tentativa de captura, do olhar de soslaio, das frases incompletas, um pouco nas sombras, um pouco enevoadas. Disléxico. Senil. Grotesco. Ridículo. Não importa. O amor carece de expressão.

É então que amar é uma palavra que soa. Como se me pregasse uma peça, amar me confunde, entorpece, como se me acordasse cedo demais e eu não sei para onde ir. Amar é um labirinto de vidro torturante, sem saída, onde nenhum mapa que trago parece corresponder. Amar me desaprende a ser. E assim, posta nua repentinamente, preciso me recriar em outra.

No entanto, como para tudo na vida, há várias formas de amar. É igual a farinha e água, dependendo da proporção de uma ou de outra e do movimento que faço, posso fazer um pão ou um macarrão. O apetite define o que, mas as circunstâncias dão um toque final. Na confusão da minha cozinha, sem saber o que é melhor para mim, eu me decido pelo simples. Hoje quero um amor simples como pão com manteiga. 

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