Eu nunca
soube o que era amar porque sempre fiquei presa no amor. O amor que preenche
todos os pensamentos, completa todas as horas e substitui os sentidos. O amor
contido ou derramado, escondido no peito, bombeado para todo o resto por um
coração que não se cansa. Amor quieto. Profundo.
O amor não
declarado é amor, contudo. O amor acalentado no peito de quem ama, no silêncio
dos ventos passando, tarde da noite de olhos abertos no escuro, ou com lua
cheia, sentido com a profundidade que todo amor merece, sentido com o corpo
todo, com a alma, pelo que já foi e pelo que será, pelo que nunca será, ainda
assim, é amor. Mas, ao ser amado, ignorante de assim ser, não será mais que um
mistério.
Por isso,
não bastará meu desejo de que todas as flores do caminho anunciem o amor
incomunicável, não será o suficiente rezar todas as noites para que os anjos
protejam o objeto amado. Será preciso que o verbo principie em expressar para
que a vida aconteça. Para que, sob os sons das palavras, o amor possa acontecer
plenamente.
Na
distância e no silêncio, o amor que reina é apenas aquele sentimento universal,
impessoal, por todos e por ninguém em especial. Aquele que une, entrelaça,
aproxima duas pessoas num abraço amoroso, e que faz delas únicas no mundo, esse
amor pede demonstração. Seja pela
mão estendida à espera do toque, seja pelo olhar que se cruza num lapso de
tempo, num piscar que liga, entende, explica; sejam pelas palavras cunhadas no
papel, bilhetes lançados em garrafas ao mar; seja como for, o amor precisa ser
anunciado, expressado, escandalizado.
Somente
quando rabiscado pelos muros nas ruas, ou cantado em melodias pelo ar, ou
murmurado num momento de calma, o amor existe. Somente quando desenhado em
cores ou linhas, quando o gesto mudou o calor do entorno, é que o amor se
realiza. Antes, ele é um sopro, uma possibilidade de salvação, uma luz. Não
adianta estar escrito nas estrelas, num pastel da sorte ou na boca do sapo.
O amor
precisa gritar sua existência para que o outro ouça. E, ouvindo, possa então
vibrar o que significa. O ser amado precisa ser envolvido pelo abraço, pelas
palavras e cores, pelos símbolos do que representa em quem ama. Sem esse
clamor, ele murcha, adormece, prescinde. Segue colhendo as flores dos campos
sem saber das que faz nascer no peito de alguém.
Assim é o
amor. É uma poesia que não precisa de rimas, ou de palavras lindas, de ritmo,
ou de sentido. O amor, assim mesmo, precisa clarear sua passagem. Precisa
contar sua história, cheia de lacunas, e de palavras lacônicas, monossilábicas,
desconexas. Precisa da tentativa de captura, do olhar de soslaio, das frases
incompletas, um pouco nas sombras, um pouco enevoadas. Disléxico. Senil.
Grotesco. Ridículo. Não importa. O amor carece de expressão.
É então que
amar é uma palavra que soa. Como se me pregasse uma peça, amar me confunde,
entorpece, como se me acordasse cedo demais e eu não sei para onde ir. Amar é
um labirinto de vidro torturante, sem saída, onde nenhum mapa que trago parece
corresponder. Amar me desaprende a ser. E assim, posta nua repentinamente,
preciso me recriar em outra.
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