No
final do mundo nos encontraremos, com um pouco de sorte, com um sorriso no
rosto. Sempre é muita sorte encontrar um sorriso no rosto quando o mundo acaba.
Mas, se assim for, nosso encontro será diferente dos outros todos de nossas
vidas, porque será definitivo. Nada é definitivo na vida, nada é tão supremo
que corte como um bisturi ou abismos separando dois mundos. Essencialmente o
mundo é um só.
Então,
naquele momento em que nada mais passa a ter importância, eu olhe para você e
pense no que fomos e no que desejamos ter sido. Porque, como um rio, a vida
escorre pelos caminhos possíveis, e despenca pelos impossíveis. Saberei
entender o que fui buscar e o que encontrei, sempre dois tempos nos tempos dos
amantes.
Até
lá, não levarei comigo senão o pó do caminho. Estradas poeirentas no inverno e
lamacentas no verão fazem dessas coisas conosco: marcas arrastadas que
desaparecerão tão logo passe o próximo vento, desses ventos que apagam o gesto
perdido na distância. Ficarão somente as pegadas vislumbradas pelo último olhar
antes de levantar a cabeça e seguir em frente.
Sim.
O mundo há de acabar num derradeiro momento, mas enquanto isso, vou perdendo
meu tempo olhando para as montanhas de manhã quando acordo, ou ouvindo o
farfalhar das folhas umas nas outras, inocentemente. Dá para sentir o aroma das
flores que amanhecem o orvalho da madrugada quando se anda ao lado delas sem
fazer barulho. Elas retribuem com um aceno leve, cúmplice, discreto, muito
simples, quase imperceptível. Eu vim buscar essa vida.
Mas
sabendo que nos encontraremos no final do mundo, ficarei desapercebida de sua
presença nos cotidianos que se intercalarão até lá. Vou riscar com os pés na
terra um pouco da suavidade do momento. Vou me entregar a esses prazeres que
são os dias que escolho não fazer nada ou fazer tudo ou fazer e desfazer. A
vida é uma liberdade que se escolhe nos ciclos que se sucedem.
Sim,
algo ficou de tudo, na verdade, de tudo fica um pouco. Talvez uma poesia
escrita na retina, talvez uma pedra que fique no caminho. Mas nenhuma, nem a
poesia nem a pedra, é quem sou agora, depois de tê-las passado na pele, a
rudeza de uma e a realidade da outra.
No
final, nada tem tanta importância que nos faça parar a estrada ou sentar para
recuperar forças. A força está em seguir em frente, e a deixar-se expor ao sol,
sem medo, com ou sem dor. Eu não gosto da dor de jeito algum, parece inumano,
parece que não é próprio dos neurônios, mas sentir é isso. Quem escolhe viver o
sentido da vida precisa passar pela dor necessariamente. Precisa arranhar as
unhas nas encostas dos barrancos tentando galgar um passo acima, ou tentando
segurar-se para não escorregar. E qual é a verdadeira diferença entre a dor e o
prazer? Um consentimento, talvez.
Se
posso dizer o que farei ao encontrar você no final do mundo, então já fica aqui
o meu recado e não precisaremos nem trocar palavras ou gestos, porque o que
quer que eu aprenda até lá, não importará a mais ninguém, o que quer que eu
mude nesse tempo, é apenas uma escolha minha. Dispo-me de todas as palavras que
permearam nossos encontros, de todas as possibilidades, e também de todos os
acertos e erros.
Assim,
desnuda, deixo nessa beirada da estrada, perto da cerca para não atrapalhar
mais ninguém, deixo seu nome gravado na efemeridade do pó, o último resquício
ainda preso na minha bagagem. Depois, deixo-me levar pela aragem leve feito
pólen indo fertilizar outras flores.